8.11.09
Às manchas da solidão
Fechada no meu canto com os gritos ocos dos suicídios, nenhum foi capaz de ouvir as pulsações que me permitem o amor pela vida. Ninguém amou mais do que eu nesta casa. Não é preciso conhecer meu corpo para me sentir verdade. E nesse cálice de sangue podem até me confundir com um assassino. Talvez se tivessem olhos às pessoas teriam talhado essas madeiras. Não é ouro o que brilha em mim. (neste momento você se aproxima e me vê jogado no chão chorando suado de beber o vinho derramado sobre minha camisa branca, você pega o copo de minha mão e bebe, enche novamente e bebe) O silencio fala no lugar da imensidão de idéias repousadas que ficaram num passado esquecível. Que tudo se desintegre na medida que meus sentimentos se consomem. Pouco me importa que você veja meus lamentos. O que levou contigo é muito maior do que o que por aqui permaneceu. E não há tempo que cure a covardia de um homem. Os sermões do mundo me cansam. Estendo as mãos brancas e ainda quentes para que essa chuva de domingo molhe e refresque minha ilusão. (é meio dia, toca o sino, todos sentam sobre a mesa e sorriem como de costume) Para os que me vêem desequilibrado eu não creio que existam numa margem de paixões. Não me conhecem, ninguém, senão eu, me conhece. Então eu me tranco diante do real-ilusório e me escondo na minha imaginação. Como alguém que tivesse tudo o que precisasse para viver com a boca seca, sem água, só sal, suas aventuras nocivas. Vejo-te lavando as mãos. Não tenho nada pra lhe dizer. Porque tudo que eu pude ouvir foi o barulho do meu parto quando nasci e já deveria saber: os braços do destino em mim se fechavam. Hoje sinto desejos em certos braços quentes, mas nada posso fazer com esses vasos quebrados. Meu calor derrete minha’lma, são de barro. Mesmo assim eu atiro minhas palavras pela janela, junto com as lembranças de dor e raiva e o gosto amargo da minha saliva cansada. Eu vejo tudo fosco à minha frente. A menina sonhadora que tanto traçou seus passos, sempre sorrindo. Louca, como diziam as vozes fracas. Não eram com estradas que eu sonhava. Jamais me passou pela cabeça o abandono dos meus valores. Sumir e percorrer caminhos em busca da felicidade. Eu logo percebi que fora dos limites do meu lar só encontraria decepção. Também cedo percebi que a solidão me alimentava. Mas eu não posso deixar que o vazio escape pelos meus poros. É aqui que eu comungo. Só assim posso cultuar a vida e saboreá-la obscenamente como uma criança pura deitada num gramado verde. É a minha escuridão, repleta de cores próprias que nunca, nunca serão vistas pelos Outros.
7.10.09
Na academia com Madonna
Uma história verdadeira de tempos fabulosos. Eu bati na janela errada. Naquela casa obscurecida por densas trepadeiras. Vi um sorriso do outro lado. Precisávamos tanto um do outro que eu pude sentir um respiro de alívio entre seus dentes brancos e fracos. Sempre me permiti o acaso, por isso ele sempre me contemplou. E não há sentimento mais sublime que o da amizade. O homem da janela me fascina porque me ajuda a subir essa escada vacilante que nos traz um aconchego no final do dia. Nós que já percorremos os esgotos mais imundos desse mundo suburbano nos encontramos na superfície imaginária da vida. Os dois estavam sem meias no meio da multidão, por isso se compreendiam tão bem. Enquanto as suas se encharcavam, as minhas já nem mais existiam. Momentos-instantes que nos fazem únicos e parecidos. Que dia é hoje? 6 ou 7. 8? Não importa. Vamos comemorar duplamente. Tem coisas que acontecem uma vez na vida, e outras uma vez no ano. Está ficando velho demais para dormir paciente sob o sono que se move lento. Chegará onde quiser, eu afirmo. Vamos inventar outros capítulos. E Deus é testemunha que nós não sabíamos o que procurávamos nesse bosque. Nem queremos saber o motivo. Apenas sentir o recurso de que podemos dar esse grito. Tranqüilizou-nos. Ganhei um presente, e o retibuo. – Feliz aniversário, lhe digo, meu Amigo.
15.9.09
O céu
Da morte nada sei. Hoje ainda respiro. Se a alegria me vem, sonho. Quando há dor, realidade. É triste perder alguém que se ama, ver a ultima imagem viva. Eu vago por esse campo que pra mim sempre foi um vazio. Eu gostaria de poder morrer por alguns segundos. Fecharia os meus olhos lentamente e cronometraria 20 minutos de apagão. Donde estoy yo? Pelo silencio da alma sobrevive a ausência do corpo. Como posso viver amando meu corpo? É difícil conceber a existência. Eu o vi chorando de medo. E quando via nos olhos da vida que já não existia esperança e que nada mais lhe pertencia, doía. Se há um Deus nesse mundo eu acredito. Porque no amor também creio sem o ter visto ou sentido. E mesmo sem ter certeza disso. Alguém, por favor, segure estas mãos e sufoque este momento. O escuro me pertence. Noites interrogativas que me abraçam confortavelmente. Nossa Senhora nos proteja. Poe uma longa e colorida cena para essa despedida. Não permitas, não permitas. Dê-me essa angustia. E que ele parta livre do pecado da dor. Com um peito manchado de vermelho. Ora sangue, ora amor. Cinco minutos refletidos no espelho que se quebra. Não me abandone nunca. Eu não entendo a solidão. Permaneça, pois eu já vi tanto ódio derramando nesse copo dessa mesa de jantar desse meu lar. Não é fácil mesmo. Mas eu guardo comigo a lição mais linda que você me deixou: sempre sensível. Eu vou caprichar. Eu vou.
28.8.09
Carmem, 301
Acabou a musica, pode ir embora.
Vestiu-se e foi desaparecendo naquela noite escura. Soube naquele momento que não deveria ser o único a sofrer de insônia. Essa voz também a perturbava. Nada parece exclusivo nessa estúpida vida. E digo estúpida também para as boas gozadas que le ocorrem em pleno dia. Não só de pão vive o homem. Ao menos, se a mulher lhe ensinaria. E se só a desprezo, ela o diria: que assim permaneça a pétala crua ferida. Não é por dor que calo seu desejo. Tenho um tempo a cumprir e que se cumpra dessa face senão outra poderosa e rouca toma vez deste lugar.
Foi assim que se sucedia. Um vinha, outro ia, um vinha, outro ia. Não se fez valsa, muito menos tango. O compasso deve no mínimo ser binário. Com ela não. Ela percorria qualquer melodia como quem borda ponto a ponto com uma agulha dura e grossa. Foi então que um, apenas um daqueles soldados falou o que foi a primeira palavra pronunciada e ouvida, direcionada a a, à Ela. E mais algumas letras. “Tinha tudo para dar certo”. Ela o sorriu e disse baixo, suficiente para não ser ouvida nem por ninguém: eu, Macabéia.
22.7.09
Por serem capazes
"Não, Arturo, nunca houve um mar. Você sonha e deseja, mas atravessa a terra desolada. Nunca verá o mar de novo. Era um mito em que certa vez acreditou. Mas tenho de sorrir, porque o sal do mar está no meu sangue e podem existir dez mil estradas sobre a terra, mas nunca irão me confundir, pois o sangue do meu coração sempre voltará para a bela fonte"
John Fante – Pergunte ao Pó
John Fante – Pergunte ao Pó
10.7.09
Inlolupiaveis seres estramunos
Perdi minha alma
caiu por ai
se encheu de lama
e até goma de mascar jogaram em cima dela
Nacionalista que era
que foi um dia
quando ainda estava em minha posse
minha alma verde amarela
Hoje colho os olhos que plantei
antes que virem ilusões
os matei
Aí ói surucucu do mato
Me sufoque pro mundo
Para esse mundo que só vê o que é exato
Eu nao perdoo
a falta de amor
porque amor é coisa pouca
que se acha jogado em qualquer cama
Mas que sobrevive aos poucos
elementos nulos
dos suburbios humanos
caiu por ai
se encheu de lama
e até goma de mascar jogaram em cima dela
Nacionalista que era
que foi um dia
quando ainda estava em minha posse
minha alma verde amarela
Hoje colho os olhos que plantei
antes que virem ilusões
os matei
Aí ói surucucu do mato
Me sufoque pro mundo
Para esse mundo que só vê o que é exato
Eu nao perdoo
a falta de amor
porque amor é coisa pouca
que se acha jogado em qualquer cama
Mas que sobrevive aos poucos
elementos nulos
dos suburbios humanos
O ocuo
Perplexo. Assusto-me com os vultos que me perseguem. Eis que a muito tempo seus valores não são mais os nossos. Eu o educaria bem depressa. Mas sendo depressa com pressa não poderia. Posso então bater as botas com meu pobre coração esbugalhado e poucas pessoas sentirão isso e isso me deixa mal. Inquieta. Jésuis me salve desse pranto. Ando evitando as palavras. Alma oca. Você ja passou um tempo sem sentir nada? Absoluto vazio? Os sentimentos do mundo cansaram de sufocar e alegrar esse corpinho pegajoso que minha mãe fez tão bonitinho e ordinário pro mundo? Entao entre para o clube do vácuo. O vácuo que não é o marido da vaca nem marido de ninguem. Aqui no vácuo só cabem aqueles que mesmo sozinhos ainda não se sentem suficientemente sós como gostariam. Chega de livros, filmes, discos, msn, orkut, novelas, pensamentos, imaginações, abstrações. É a morte da alma. Da alma virtual também. Aí o professor pergunta pro aluno: que é que tua mãe faz? Ela é substituta. Substituta do que? Substituta da minha tia que é prostituta. A vida é dura. "A vida é crua." Inovar já é ultrapassado demais para alguém qualquer como eu. E foi assim que os papéis permaneceram em branco. Sem manchas, sem tintas. Sem cinzas de cigarro, sem absolutamentes. Aqui jazem meus eus. Entre mil flores e bosques plantados por esses heróis imigrantes. Sem mais saudades.
1.7.09
SEXTA-FEIRA NEGRA - david goodis
“-deus do céu - disse ele, porque mesmo com o sobretudo ainda estava tremendamente frio, e sorriu ao recordar que fora exatamente por isso que deixara a universidade, porque aqueles invernos da filadélfia eram simplesmente demais para ele. lembrou de um dia tão deplorável quanto um dia pode ser sem chuva ou neve, mas um dia frio e cinzento com a obscuridade suspensa sobre céus e ruas, e então decidiu que não precisava enfrentar aquele tipo de clima, mesmo que gostasse da atmosfera da universidade e das coisas que aprendia lá. portanto arrumou seus pertences e pegou um trem, usufruindo a luxúria que é cair fora de alguma coisa na qual não se tem mais interesse. mas agora não havia como cair fora, havia apenas fuga. e há uma enorme diferença entre cair fora e fugir.”
SEXTA-FEIRA NEGRA - david goodis - p. 11
SEXTA-FEIRA NEGRA - david goodis - p. 11
6.6.09
5.6.09
GOSTOSA!
O copo caiu de sua mão, estilhaçou. Não jorrou sangue de sua alma pecadora. Ela ri da vida que lhe cabe. Com os sentimentos brinca, prostitui-os. Sai de cena quando quer respirar.
É por isso que eu confio com dificuldade nela. Porque a dor vem a ela como neve e vai dela como fogo. É um mito sensitivo. Contávamos as notas daquele dia de trabalho. Uma por uma miudeza de números tão chatos de se somar. Se não fosse por aquele dinheiro nunca estaríamos seduzindo essa infelicidade. É o desapego que me cabe nos pensamentos do dia. E nós íamos de ia em ia sem saber que você sabia onde isso iria chegar.
Estrada Velha. Pedi a ela para não se assustar com o que eu lhe disse. Afinal, nem sempre a verdade se concretiza. Sabemos bem o gosto do alimento que nos agrada o paladar. Pálidas! Contornamos as situações e voltamos caladas. Não foi medo não. É que o cabelo dela estava oleoso. (“Não gosto de sair com os cabelos oleosos. Sinto-os pesando meu corpo.”) Higiene é essencial para mulheres como nós. E como nós não somos amigas íntimas eu nunca soube se tudo tinha dado certo. Foi uma tentativa. A primeira delas.
Mas eu devo admitir que é bom demais da conta ser dona do mundo. Desde que ficamos famosas nas páginas vermelhas, minha vida tem se tornado muito mais estúpida e gostosa!
É por isso que eu confio com dificuldade nela. Porque a dor vem a ela como neve e vai dela como fogo. É um mito sensitivo. Contávamos as notas daquele dia de trabalho. Uma por uma miudeza de números tão chatos de se somar. Se não fosse por aquele dinheiro nunca estaríamos seduzindo essa infelicidade. É o desapego que me cabe nos pensamentos do dia. E nós íamos de ia em ia sem saber que você sabia onde isso iria chegar.
Estrada Velha. Pedi a ela para não se assustar com o que eu lhe disse. Afinal, nem sempre a verdade se concretiza. Sabemos bem o gosto do alimento que nos agrada o paladar. Pálidas! Contornamos as situações e voltamos caladas. Não foi medo não. É que o cabelo dela estava oleoso. (“Não gosto de sair com os cabelos oleosos. Sinto-os pesando meu corpo.”) Higiene é essencial para mulheres como nós. E como nós não somos amigas íntimas eu nunca soube se tudo tinha dado certo. Foi uma tentativa. A primeira delas.
Mas eu devo admitir que é bom demais da conta ser dona do mundo. Desde que ficamos famosas nas páginas vermelhas, minha vida tem se tornado muito mais estúpida e gostosa!
1.6.09
Um trecho de algumas notas em algum subsolo
O fim dos fins, senhores, é não fazer nada, absolutamente nada. A inércia contemplativa é preferível seja ao que for. Assim pois, viva o subsolo! Se bem, que eu tenha dito antes que invejava o homem normal até a derradeira gota da minha bílis, quando o vejo tal qual é, renuncio ao ser normal (não cessando todavia de ter inveja dele). Não! não! apesar de tudo o subsolo vale mais. Lá ao menos se pode… Ah! cá que minto de novo! Minto, porque sei, tão claramente quanto duas vezes dois são quatro, que não é o subsolo que vale mais, mas algo muito diferente a que aspiro, mas que não posso descobrir. Para o diabo o subsolo!
Se eu pudesse crer ao menos numa só palavra do que escrevo aqui! juro‑vos, senhores, que não creio em uma só palavra, em uma única e miserável palavrinha! Ou melhor dizendo: creio, talvez, mas sinto no mesmo momento, suspeito, não sei por quê, que minto descaradamente.
‑ Mas, nesse caso, por que escreveu tudo isto? ‑ perguntareis certamente.
Que teríeis dito se eu vos tivesse encerrado durante quarenta anos, sem fazer nada, e se, decorrido esse tempo, eu fosse visitar‑vos no vosso subsolo para verificar no que vos tínheis tornado?
Bem que eu gostaria de vos ver lá! Pode‑se deixar durante quarenta anos um homem só e sem ocupação?
“Mas não é vergonhoso, não é humilhante!” ‑ me direis talvez, meneando a cabeça, com desprezo, ‑ “Você tem sede de vida, mas quer resolver as questões vitais por meio de mal‑entendidos lógicos. E que obstinação! Que impudência com isso!
Mas tem medo, apesar de tudo. Você diz inépcias, mas sente‑se feliz com elas. Diz insolências, mas tem medo e se desculpa. Declara que não receia ninguém, mas busca as nossas boas graças. Você nos assegura que range os dentes, mas graceja ao mesmo tempo, para nos fazer rir. Sabe que as suas sentenças não valem nada, mas parece muito satisfeito com a sua literatura. É possível que você tenha sofrido, mas não tem nenhum respeito pelo. seu sofrimento. Há certa verdade em suas palavras, mas falta‑lhes pudor. Sob a ação da vaidade mais mesquinha, você traz a sua verdade t para a praça pública, expõe‑na no mercado, para alvo de chacota. Você tem alguma coisa a dizer, mas o temor faz‑lhe escamotear a última palavra, pois é insolente, mas não audaz. Gaba a sua consciência, mas não é capaz senão de hesitação, porque embora sua inteligência trabalhe, seu coração está emporcalhado pela libertinagem; ora, se o coração não é puro, a consciência não pode ser clarividente, nem completa. E como você é importuno, como é molesto! Que palhaçada, a sua! Mentira tudo isso! Mentira! Mentira!”
Todas estas palavras, fui eu quem mas “, evidentemente. Elas também provêm do subsolo. Durante quarenta anos, prestei atenção por uma pequena fenda a esses discursos. Eu próprio os compus, pois não tinha outra coisa a fazer. Por isso foi‑me fácil decorá‑los e imprimir‑lhes; uma forma literária.
Mas, pudestes crer, verdadeiramente, que eu ia imprimir tudo isto e vo‑lo dar para ler? E eis ainda o que não compreendo: por que me dirijo a vós, chamando‑vos de “senhores”, como se fósseis leitores meus? Não se publicam, não se dão a ler a ninguém as confidências que eu me preparo para fazer aqui. EU, em todo o caso, não sou suficientemente forte para agir assim, e, de resto, não vejo a necessidade disso. Mas, vede, veio‑me alma fantasia, e quero realizá‑la custe o que custar. Eis do que se trata:
Entre as lembranças que cada um de nós possui, há algumas que não contamos senão aos nonos amigos. Há outras ainda que não confessaremos nem mesmo aos nossos amigos, que não repetiremos senão a nós mesmos, e aliás, sob o signo do segredo. Mas existem enfim coisas que o homem não consente nem em confessar a si mesmo. No curso de sua existência, todo homem honesto acumulou dessas lembranças suficientemente. Direi mesmo que seu número é tanto mais importante, quanto o homem é mais honesto. Eu, em toda o caso, não faz muito tempo que me decidi a me lembrar de certas antigas aventuras minhas; até aqui, evitei‑as, e não sem um tanto de inquietação. Ora, agora, quando as evoco e quero mesmo anotá‑las, agora tenho a prova: é possível ser franco e sincero, ao menos cara a cara consigo mesmo, e poder‑se‑á dizer toda a verdade? Observarei a este propósito que Heine assegura que não podem existir autobiografias exatas, e que o homem mente sempre, quando fala de si mesmo.. Rousseau, com seu ponto de vista, certamente nos enganou nas sua Confissões e mesmo deliberadamente, por vaidade. Estou certo de que Heine tem razão: compreendo muito bem que nos possamos sobrecarregar de crimes abomináveis, apenas por vaidade, e compreendo também o que pode ser esse sentimento. Mas Heine tinha em vista as confissões públicas; ora, eu não escrevo senão para mim sozinho e declaro de lima Vez por todas que, se pareço dirigir‑me ao leitor, é simplesmente iam processo de que me sirvo para maior facilidade. Não é senão uma forma, uma forma vazia; e quanto aos leitores, não. os terei jamais. já o declarei.
Não quero ser incomodado em nada na redação das minhas notas. Não observarei nenhuma ordem, nenhum sistema. Escreverei simplesmente o que me lembrar.
Mas vós poderíeis me pegar na palavra desde o começo e me perguntar: se é verdade que não pensa em seus leitores, por que então combina consigo mesmo ‑ e no papel ‑ ainda! ‑ que não observará nenhuma ordem, nenhum sistema, que registrará o que lhe passar pela cabeça, etc.? Por que se explica? Por que essas desculpas ?
Pois bem! eis aí! é assim!
Há, de resto, aí, um caso psicológico interessante. É possível que eu seja muito simplesmente um covarde. Mas é possível também que imagine diante de mim um público, a fim de não perder o sentido das ‑conveniências. É possível ter milhares desses motivos…
Mas há ainda outra coisa: por que, em suma, pus‑me a escrever?’ Se não é para o público, não posso evocar minhas lembranças sem as lançar ao papel?
Com efeito, mas quando estiverem fixadas no papel, adquirirão um aspecto mais solene. Isto me constrangerá, julgar‑me‑ei melhor e meu estilo ganhará. Demais, é possível que isto me traga certo consolo. Assim, hoje, estou particularmente oprimido por uma lembrança longínqua; surgiu em mim muito nitidamente há alguns dias, e, desde então, me persegue sem tréguas, como um desses motivos musicais que não pretendem vos largar. Ora, é preciso absolutamente que eu me desembarace dela. Tenho centenas de recordações desse gênero; mas uma delas às vezes desperta de súbito e me agarra pela garganta. Eu imagino, não sei mesmo por quê, que se a registrar, ficarei livre. Por que não tentaria?
E depois, enfim, eu me aborreço e nunca faço nada. Escrever as lembranças é um trabalho. Diz‑se que o trabalho torna o homem bom e honesto. É então uma oportunidade que se me oferece…
Fiódor Dostoiévski
Se eu pudesse crer ao menos numa só palavra do que escrevo aqui! juro‑vos, senhores, que não creio em uma só palavra, em uma única e miserável palavrinha! Ou melhor dizendo: creio, talvez, mas sinto no mesmo momento, suspeito, não sei por quê, que minto descaradamente.
‑ Mas, nesse caso, por que escreveu tudo isto? ‑ perguntareis certamente.
Que teríeis dito se eu vos tivesse encerrado durante quarenta anos, sem fazer nada, e se, decorrido esse tempo, eu fosse visitar‑vos no vosso subsolo para verificar no que vos tínheis tornado?
Bem que eu gostaria de vos ver lá! Pode‑se deixar durante quarenta anos um homem só e sem ocupação?
“Mas não é vergonhoso, não é humilhante!” ‑ me direis talvez, meneando a cabeça, com desprezo, ‑ “Você tem sede de vida, mas quer resolver as questões vitais por meio de mal‑entendidos lógicos. E que obstinação! Que impudência com isso!
Mas tem medo, apesar de tudo. Você diz inépcias, mas sente‑se feliz com elas. Diz insolências, mas tem medo e se desculpa. Declara que não receia ninguém, mas busca as nossas boas graças. Você nos assegura que range os dentes, mas graceja ao mesmo tempo, para nos fazer rir. Sabe que as suas sentenças não valem nada, mas parece muito satisfeito com a sua literatura. É possível que você tenha sofrido, mas não tem nenhum respeito pelo. seu sofrimento. Há certa verdade em suas palavras, mas falta‑lhes pudor. Sob a ação da vaidade mais mesquinha, você traz a sua verdade t para a praça pública, expõe‑na no mercado, para alvo de chacota. Você tem alguma coisa a dizer, mas o temor faz‑lhe escamotear a última palavra, pois é insolente, mas não audaz. Gaba a sua consciência, mas não é capaz senão de hesitação, porque embora sua inteligência trabalhe, seu coração está emporcalhado pela libertinagem; ora, se o coração não é puro, a consciência não pode ser clarividente, nem completa. E como você é importuno, como é molesto! Que palhaçada, a sua! Mentira tudo isso! Mentira! Mentira!”
Todas estas palavras, fui eu quem mas “, evidentemente. Elas também provêm do subsolo. Durante quarenta anos, prestei atenção por uma pequena fenda a esses discursos. Eu próprio os compus, pois não tinha outra coisa a fazer. Por isso foi‑me fácil decorá‑los e imprimir‑lhes; uma forma literária.
Mas, pudestes crer, verdadeiramente, que eu ia imprimir tudo isto e vo‑lo dar para ler? E eis ainda o que não compreendo: por que me dirijo a vós, chamando‑vos de “senhores”, como se fósseis leitores meus? Não se publicam, não se dão a ler a ninguém as confidências que eu me preparo para fazer aqui. EU, em todo o caso, não sou suficientemente forte para agir assim, e, de resto, não vejo a necessidade disso. Mas, vede, veio‑me alma fantasia, e quero realizá‑la custe o que custar. Eis do que se trata:
Entre as lembranças que cada um de nós possui, há algumas que não contamos senão aos nonos amigos. Há outras ainda que não confessaremos nem mesmo aos nossos amigos, que não repetiremos senão a nós mesmos, e aliás, sob o signo do segredo. Mas existem enfim coisas que o homem não consente nem em confessar a si mesmo. No curso de sua existência, todo homem honesto acumulou dessas lembranças suficientemente. Direi mesmo que seu número é tanto mais importante, quanto o homem é mais honesto. Eu, em toda o caso, não faz muito tempo que me decidi a me lembrar de certas antigas aventuras minhas; até aqui, evitei‑as, e não sem um tanto de inquietação. Ora, agora, quando as evoco e quero mesmo anotá‑las, agora tenho a prova: é possível ser franco e sincero, ao menos cara a cara consigo mesmo, e poder‑se‑á dizer toda a verdade? Observarei a este propósito que Heine assegura que não podem existir autobiografias exatas, e que o homem mente sempre, quando fala de si mesmo.. Rousseau, com seu ponto de vista, certamente nos enganou nas sua Confissões e mesmo deliberadamente, por vaidade. Estou certo de que Heine tem razão: compreendo muito bem que nos possamos sobrecarregar de crimes abomináveis, apenas por vaidade, e compreendo também o que pode ser esse sentimento. Mas Heine tinha em vista as confissões públicas; ora, eu não escrevo senão para mim sozinho e declaro de lima Vez por todas que, se pareço dirigir‑me ao leitor, é simplesmente iam processo de que me sirvo para maior facilidade. Não é senão uma forma, uma forma vazia; e quanto aos leitores, não. os terei jamais. já o declarei.
Não quero ser incomodado em nada na redação das minhas notas. Não observarei nenhuma ordem, nenhum sistema. Escreverei simplesmente o que me lembrar.
Mas vós poderíeis me pegar na palavra desde o começo e me perguntar: se é verdade que não pensa em seus leitores, por que então combina consigo mesmo ‑ e no papel ‑ ainda! ‑ que não observará nenhuma ordem, nenhum sistema, que registrará o que lhe passar pela cabeça, etc.? Por que se explica? Por que essas desculpas ?
Pois bem! eis aí! é assim!
Há, de resto, aí, um caso psicológico interessante. É possível que eu seja muito simplesmente um covarde. Mas é possível também que imagine diante de mim um público, a fim de não perder o sentido das ‑conveniências. É possível ter milhares desses motivos…
Mas há ainda outra coisa: por que, em suma, pus‑me a escrever?’ Se não é para o público, não posso evocar minhas lembranças sem as lançar ao papel?
Com efeito, mas quando estiverem fixadas no papel, adquirirão um aspecto mais solene. Isto me constrangerá, julgar‑me‑ei melhor e meu estilo ganhará. Demais, é possível que isto me traga certo consolo. Assim, hoje, estou particularmente oprimido por uma lembrança longínqua; surgiu em mim muito nitidamente há alguns dias, e, desde então, me persegue sem tréguas, como um desses motivos musicais que não pretendem vos largar. Ora, é preciso absolutamente que eu me desembarace dela. Tenho centenas de recordações desse gênero; mas uma delas às vezes desperta de súbito e me agarra pela garganta. Eu imagino, não sei mesmo por quê, que se a registrar, ficarei livre. Por que não tentaria?
E depois, enfim, eu me aborreço e nunca faço nada. Escrever as lembranças é um trabalho. Diz‑se que o trabalho torna o homem bom e honesto. É então uma oportunidade que se me oferece…
Fiódor Dostoiévski
29.5.09
Embriagada
Somos ainda muito pequenos. Tememos a própria morte tanto quanto tememos a morte do outro. Nada mais do que o sangue. Ninguém vê com clareza os fatos que me ocorrem. Eu os vejo. Vejo essa areia morta pelo deserto e me faz perceber o que é imortal em mim.
Eu não dormi bem esta noite. Não ando bem de saúde. A minha dor é o ódio de um pesadelo que não se contentou em me matar. Quer comer cru cada pedaço de meu corpo. Como se minha vida estivesse exposta numa vitrine de açougue. Meu corpo mutilado ainda tem forças. É a energia vital da “mãe-coisa” que se abre em mim constantemente. Sim, sou mãe. Sou mulher.
Eu entro no carro. A porta se fecha. Sinto uma súbita angústia, fadiga, que me percorre os caminhos do dia.
Agora, ainda cansada recolho os destroços da guerra. Ainda encontro tentativas de assombro pela estrada. Eu ando de joelhos sobre o chão. Rastejo a ignorância da humanidade. Poucas vezes me senti frágil. Estou frágil.
Isso é mérito aos ouvidos do assassino de memórias. Por quê você não sabe sonhar, quer carregar os meus sonhos (...). Sinto muito, vai levar consigo as minhas derrotas. É por isso que carregas uma dor maior que a minha. A dor do ódio eu não sinto. E assim cheguei ao trabalho. Meus olhos doem, minha cabeça. Se existe um Deus nesse mundo que rege e guarda-nos o que Ele espera de mim?
Na hora do almoço, eu me sinto melhor. Acho que é o desabafo da vida que me resgata ao mundo. Em momento nenhum me senti distante da minha verdade. Eu sei de tudo e não me preocupam suas acusações. Me molesta sim ter dormido, uma noite sequer ao seu lado. Me enraivece tê-lo amado um dia. Amor banal. Preciso dar mais valor aos meus sentimentos. O bastante para viver.
Quanto ao presente embrulhado em cetim que me foi dado. Desse presente não esquecerei. Tampouco quero-o pra mim. Creio que não me fará bem. As minhas meias estão cerzidas até a cocha. Isso me incomoda meu amor. Você pode tocar as minhas pernas, mas não busca soluções. Embora não tenha sido essa a foto do desespero. Foi nela que mergulhamos juntos. O pássaro que me chamou no meio da noite, perdido na sala de visitas do meu coração, era você pequeno. Não voe para muito longe. Seja sensato e busque o mesmo paraíso que um dia me pertencerá. Segure meus cabelos. Ou continue sua jornada para um bosque mais bonito. Encontrarás rosas perfumadas. Perfume que embriaga os adeuses. Eu preciso de valores, que a mim não foram dados. Rezo pela discórdia que criei entre meus "eus". Abstraio-me e respiro.
A noite chega e com ela seu alento. Eu aguardo anciosa pela pouca atenção que me pertence. Permaneço só ao me deitar. Essa solidão cruel me embala a escuridão. Me refugio no aconchego de minha filha (vida). Tenho medo, mas não temo nada. "Eis a vida, virem-se com ela".
Um belo dia, gostaria de te dar minha mão e sair por ai.
Eu não dormi bem esta noite. Não ando bem de saúde. A minha dor é o ódio de um pesadelo que não se contentou em me matar. Quer comer cru cada pedaço de meu corpo. Como se minha vida estivesse exposta numa vitrine de açougue. Meu corpo mutilado ainda tem forças. É a energia vital da “mãe-coisa” que se abre em mim constantemente. Sim, sou mãe. Sou mulher.
Eu entro no carro. A porta se fecha. Sinto uma súbita angústia, fadiga, que me percorre os caminhos do dia.
Agora, ainda cansada recolho os destroços da guerra. Ainda encontro tentativas de assombro pela estrada. Eu ando de joelhos sobre o chão. Rastejo a ignorância da humanidade. Poucas vezes me senti frágil. Estou frágil.
Isso é mérito aos ouvidos do assassino de memórias. Por quê você não sabe sonhar, quer carregar os meus sonhos (...). Sinto muito, vai levar consigo as minhas derrotas. É por isso que carregas uma dor maior que a minha. A dor do ódio eu não sinto. E assim cheguei ao trabalho. Meus olhos doem, minha cabeça. Se existe um Deus nesse mundo que rege e guarda-nos o que Ele espera de mim?
Na hora do almoço, eu me sinto melhor. Acho que é o desabafo da vida que me resgata ao mundo. Em momento nenhum me senti distante da minha verdade. Eu sei de tudo e não me preocupam suas acusações. Me molesta sim ter dormido, uma noite sequer ao seu lado. Me enraivece tê-lo amado um dia. Amor banal. Preciso dar mais valor aos meus sentimentos. O bastante para viver.
Quanto ao presente embrulhado em cetim que me foi dado. Desse presente não esquecerei. Tampouco quero-o pra mim. Creio que não me fará bem. As minhas meias estão cerzidas até a cocha. Isso me incomoda meu amor. Você pode tocar as minhas pernas, mas não busca soluções. Embora não tenha sido essa a foto do desespero. Foi nela que mergulhamos juntos. O pássaro que me chamou no meio da noite, perdido na sala de visitas do meu coração, era você pequeno. Não voe para muito longe. Seja sensato e busque o mesmo paraíso que um dia me pertencerá. Segure meus cabelos. Ou continue sua jornada para um bosque mais bonito. Encontrarás rosas perfumadas. Perfume que embriaga os adeuses. Eu preciso de valores, que a mim não foram dados. Rezo pela discórdia que criei entre meus "eus". Abstraio-me e respiro.
A noite chega e com ela seu alento. Eu aguardo anciosa pela pouca atenção que me pertence. Permaneço só ao me deitar. Essa solidão cruel me embala a escuridão. Me refugio no aconchego de minha filha (vida). Tenho medo, mas não temo nada. "Eis a vida, virem-se com ela".
Um belo dia, gostaria de te dar minha mão e sair por ai.
27.5.09
A complicada arte de ver
Rubem Alves
Ela entrou, deitou-se no divã e disse: "Acho que estou ficando louca". Eu fiquei em silêncio aguardando que ela me revelasse os sinais da sua loucura. "Um dos meus prazeres é cozinhar. Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os pimentões - é uma alegria! Entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que já fizera centenas de vezes: cortar cebolas. Ato banal sem surpresas. Mas, cortada a cebola, eu olhei para ela e tive um susto. Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles anéis perfeitamente ajustados, a luz se refletindo neles: tive a impressão de estar vendo a rosácea de um vitral de catedral gótica. De repente, a cebola, de objeto a ser comido, se transformou em obra de arte para ser vista! E o pior é que o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentões... Agora, tudo o que vejo me causa espanto."
Ela se calou, esperando o meu diagnóstico. Eu me levantei, fui à estante de livros e de lá retirei as "Odes Elementales", de Pablo Neruda. Procurei a "Ode à Cebola" e lhe disse: "Essa perturbação ocular que a acometeu é comum entre os poetas. Veja o que Neruda disse de uma cebola igual àquela que lhe causou assombro: 'Rosa de água com escamas de cristal'. Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta... Os poetas ensinam a ver".
Ver é muito complicado. Isso é estranho porque os olhos, de todos os órgãos dos sentidos, são os de mais fácil compreensão científica. A sua física é idêntica à física óptica de uma máquina fotográfica: o objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro. Mas existe algo na visão que não pertence à física.
William Blake sabia disso e afirmou: "A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê". Sei disso por experiência própria. Quando vejo os ipês floridos, sinto-me como Moisés diante da sarça ardente: ali está uma epifania do sagrado. Mas uma mulher que vivia perto da minha casa decretou a morte de um ipê que florescia à frente de sua casa porque ele sujava o chão, dava muito trabalho para a sua vassoura. Seus olhos não viam a beleza. Só viam o lixo.
Adélia Prado disse: "Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra". Drummond viu uma pedra e não viu uma pedra. A pedra que ele viu virou poema.
Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem. "Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. Não basta abrir a janela para ver os campos e os rios", escreveu Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido. Nietzsche sabia disso e afirmou que a primeira tarefa da educação é ensinar a ver. O zen-budismo concorda, e toda a sua espiritualidade é uma busca da experiência chamada "satori", a abertura do "terceiro olho". Não sei se Cummings se inspirava no zen-budismo, mas o fato é que escreveu: "Agora os ouvidos dos meus ouvidos acordaram e agora os olhos dos meus olhos se abriram".
Há um poema no Novo Testamento que relata a caminhada de dois discípulos na companhia de Jesus ressuscitado. Mas eles não o reconheciam. Reconheceram-no subitamente: ao partir do pão, "seus olhos se abriram". Vinicius de Moraes adota o mesmo mote em "Operário em Construção": "De forma que, certo dia, à mesa ao cortar o pão, o operário foi tomado de uma súbita emoção, ao constatar assombrado que tudo naquela mesa - garrafa, prato, facão - era ele quem fazia. Ele, um humilde operário, um operário em construção".
A diferença se encontra no lugar onde os olhos são guardados. Se os olhos estão na caixa de ferramentas, eles são apenas ferramentas que usamos por sua função prática. Com eles vemos objetos, sinais luminosos, nomes de ruas - e ajustamos a nossa ação. O ver se subordina ao fazer. Isso é necessário. Mas é muito pobre. Os olhos não gozam... Mas, quando os olhos estão na caixa dos brinquedos, eles se transformam em órgãos de prazer: brincam com o que vêem, olham pelo prazer de olhar, querem fazer amor com o mundo.
Os olhos que moram na caixa de ferramentas são os olhos dos adultos. Os olhos que moram na caixa dos brinquedos, das crianças. Para ter olhos brincalhões, é preciso ter as crianças por nossas mestras. Alberto Caeiro disse haver aprendido a arte de ver com um menininho, Jesus Cristo fugido do céu, tornado outra vez criança, eternamente: "A mim, ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as coisas. Aponta-me todas as coisas que há nas flores. Mostra-me como as pedras são engraçadas quando a gente as têm na mão e olha devagar para elas".
Por isso - porque eu acho que a primeira função da educação é ensinar a ver - eu gostaria de sugerir que se criasse um novo tipo de professor, um professor que nada teria a ensinar, mas que se dedicaria a apontar os assombros que crescem nos desvãos da banalidade cotidiana. Como o Jesus menino do poema de Caeiro. Sua missão seria partejar "olhos vagabundos"...
O texto acima foi extraído da seção "Sinapse", jornal "Folha de S.Paulo", versão on line, publicado em 26/10/2004.
Ela entrou, deitou-se no divã e disse: "Acho que estou ficando louca". Eu fiquei em silêncio aguardando que ela me revelasse os sinais da sua loucura. "Um dos meus prazeres é cozinhar. Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os pimentões - é uma alegria! Entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que já fizera centenas de vezes: cortar cebolas. Ato banal sem surpresas. Mas, cortada a cebola, eu olhei para ela e tive um susto. Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles anéis perfeitamente ajustados, a luz se refletindo neles: tive a impressão de estar vendo a rosácea de um vitral de catedral gótica. De repente, a cebola, de objeto a ser comido, se transformou em obra de arte para ser vista! E o pior é que o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentões... Agora, tudo o que vejo me causa espanto."
Ela se calou, esperando o meu diagnóstico. Eu me levantei, fui à estante de livros e de lá retirei as "Odes Elementales", de Pablo Neruda. Procurei a "Ode à Cebola" e lhe disse: "Essa perturbação ocular que a acometeu é comum entre os poetas. Veja o que Neruda disse de uma cebola igual àquela que lhe causou assombro: 'Rosa de água com escamas de cristal'. Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta... Os poetas ensinam a ver".
Ver é muito complicado. Isso é estranho porque os olhos, de todos os órgãos dos sentidos, são os de mais fácil compreensão científica. A sua física é idêntica à física óptica de uma máquina fotográfica: o objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro. Mas existe algo na visão que não pertence à física.
William Blake sabia disso e afirmou: "A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê". Sei disso por experiência própria. Quando vejo os ipês floridos, sinto-me como Moisés diante da sarça ardente: ali está uma epifania do sagrado. Mas uma mulher que vivia perto da minha casa decretou a morte de um ipê que florescia à frente de sua casa porque ele sujava o chão, dava muito trabalho para a sua vassoura. Seus olhos não viam a beleza. Só viam o lixo.
Adélia Prado disse: "Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra". Drummond viu uma pedra e não viu uma pedra. A pedra que ele viu virou poema.
Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem. "Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. Não basta abrir a janela para ver os campos e os rios", escreveu Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido. Nietzsche sabia disso e afirmou que a primeira tarefa da educação é ensinar a ver. O zen-budismo concorda, e toda a sua espiritualidade é uma busca da experiência chamada "satori", a abertura do "terceiro olho". Não sei se Cummings se inspirava no zen-budismo, mas o fato é que escreveu: "Agora os ouvidos dos meus ouvidos acordaram e agora os olhos dos meus olhos se abriram".
Há um poema no Novo Testamento que relata a caminhada de dois discípulos na companhia de Jesus ressuscitado. Mas eles não o reconheciam. Reconheceram-no subitamente: ao partir do pão, "seus olhos se abriram". Vinicius de Moraes adota o mesmo mote em "Operário em Construção": "De forma que, certo dia, à mesa ao cortar o pão, o operário foi tomado de uma súbita emoção, ao constatar assombrado que tudo naquela mesa - garrafa, prato, facão - era ele quem fazia. Ele, um humilde operário, um operário em construção".
A diferença se encontra no lugar onde os olhos são guardados. Se os olhos estão na caixa de ferramentas, eles são apenas ferramentas que usamos por sua função prática. Com eles vemos objetos, sinais luminosos, nomes de ruas - e ajustamos a nossa ação. O ver se subordina ao fazer. Isso é necessário. Mas é muito pobre. Os olhos não gozam... Mas, quando os olhos estão na caixa dos brinquedos, eles se transformam em órgãos de prazer: brincam com o que vêem, olham pelo prazer de olhar, querem fazer amor com o mundo.
Os olhos que moram na caixa de ferramentas são os olhos dos adultos. Os olhos que moram na caixa dos brinquedos, das crianças. Para ter olhos brincalhões, é preciso ter as crianças por nossas mestras. Alberto Caeiro disse haver aprendido a arte de ver com um menininho, Jesus Cristo fugido do céu, tornado outra vez criança, eternamente: "A mim, ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as coisas. Aponta-me todas as coisas que há nas flores. Mostra-me como as pedras são engraçadas quando a gente as têm na mão e olha devagar para elas".
Por isso - porque eu acho que a primeira função da educação é ensinar a ver - eu gostaria de sugerir que se criasse um novo tipo de professor, um professor que nada teria a ensinar, mas que se dedicaria a apontar os assombros que crescem nos desvãos da banalidade cotidiana. Como o Jesus menino do poema de Caeiro. Sua missão seria partejar "olhos vagabundos"...
O texto acima foi extraído da seção "Sinapse", jornal "Folha de S.Paulo", versão on line, publicado em 26/10/2004.
16.5.09
Muito bom!
O marido, ao chegar em casa no final da noite, diz à mulher que já estava deitada:
- Querida, eu quero amá-la.
A mulher, que estava dormindo, com a voz embolada, responde:
- A mala... ah não sei onde está não! Use a mochila que está no maleiro do quarto de visitas.
- Não é isso querida, hoje vou amar-te.
- Por mim, você pode ir até Júpiter, até Saturno e até à p.q.p, desde que me deixe dormir em p
desde que me deixe dormir em paz porra!
- Querida, eu quero amá-la.
A mulher, que estava dormindo, com a voz embolada, responde:
- A mala... ah não sei onde está não! Use a mochila que está no maleiro do quarto de visitas.
- Não é isso querida, hoje vou amar-te.
- Por mim, você pode ir até Júpiter, até Saturno e até à p.q.p, desde que me deixe dormir em p
desde que me deixe dormir em paz porra!
5.5.09
Azur
Induzida pela solidão individual
dou risada do mundo
que dá risada de mim
Se eu fosse água (...)
Não fosse só a água
que corre dentro de mim
Imaginasse o todo
completo e robusto
do meu ser
não seria
Esta pata choca
Sem identidade própria
Sem uma razão
óbvia
de ser assim.
dou risada do mundo
que dá risada de mim
Se eu fosse água (...)
Não fosse só a água
que corre dentro de mim
Imaginasse o todo
completo e robusto
do meu ser
não seria
Esta pata choca
Sem identidade própria
Sem uma razão
óbvia
de ser assim.
30.4.09
DESCONEXO-ME
As vezes ando entre a cozinha e minha cama
Choro para não sentir frio
É um fio muito tênue
na desgraça caio em graça
Você me pergunta:
Qual é a sua doença?
Está na sua boca
entreaberta
lendo meu texto
como se me soubesse
Há em ti desejos que também não conheces
Acaricio sua mão
Deverias sabê-los
Olho para fora na noite vazia
Esta mesma noite também aparece assim para você?
A morte dá calafrios nos meus seios
Num bar contarás esta história
O grito louco das gaivotas
Nunca vai permitir-te ser minha inspiração
Mas juntos alimentaremos os vermes do lodo
Que o sono os possui
nós não
Choro para não sentir frio
É um fio muito tênue
na desgraça caio em graça
Você me pergunta:
Qual é a sua doença?
Está na sua boca
entreaberta
lendo meu texto
como se me soubesse
Há em ti desejos que também não conheces
Acaricio sua mão
Deverias sabê-los
Olho para fora na noite vazia
Esta mesma noite também aparece assim para você?
A morte dá calafrios nos meus seios
Num bar contarás esta história
O grito louco das gaivotas
Nunca vai permitir-te ser minha inspiração
Mas juntos alimentaremos os vermes do lodo
Que o sono os possui
nós não
Temperamental
Tudo sempre me pareceu tarde demais ou cedo demais. Nunca vivi no ponto. Vocês donas de casa, fazedoras de bolos e quitutes, sabem muito bem da dificuldade de acertar o ponto. Quando eu era jovem achava que ja era tarde para me aventurar ou que era cedo demais para eu arriscar tudo e cair na vida. Maldita insuficiência. Isso sufoca sim. Falta ar. Dá desmaios. Depressões, quedas de cabelo, chatices. E mulherices. Aí isso eu tenho de sobra. Vontade de vomitar nos peitos dessa gostosona que fica desfilando aqui na frente de casa. As estações do ano eram contínuas na minha vida. Nunca percebi diferenças, mas sempre me senti crua, mal passada. Hoje, mais velha (estou com 43 anos), dois filhos, um esposo e um ex-esposo, me sinto tostada. Dura feito pedra.
Eu estava no supermercado. Precisamente na prateleira de papel higiênico. "Gostosa", ouvi alguem susurrando atrás de mim. Nunca havia recebido elogio algum. Nem dos meus maridos, namorados, filhos. Eu nunca fui bonita. Nunca fiz academia. Nunca usei maquiagem. Mas sempre fui vaidosa, engraçado. O moço era muito bonito. Devia ter uns 30 anos. Descaradamente, ele pegou um pedaço de papel e enfiou no bolso traseiro da minha calça. Eu não gritei. Embora, tenha ficado assustada. Permaneci estática. Um arrepio nervoso. Roberto, 45632356.
Eu estava no supermercado. Precisamente na prateleira de papel higiênico. "Gostosa", ouvi alguem susurrando atrás de mim. Nunca havia recebido elogio algum. Nem dos meus maridos, namorados, filhos. Eu nunca fui bonita. Nunca fiz academia. Nunca usei maquiagem. Mas sempre fui vaidosa, engraçado. O moço era muito bonito. Devia ter uns 30 anos. Descaradamente, ele pegou um pedaço de papel e enfiou no bolso traseiro da minha calça. Eu não gritei. Embora, tenha ficado assustada. Permaneci estática. Um arrepio nervoso. Roberto, 45632356.
28.4.09
Marguerite Duras e duras juras do meu desejo
O homem atlântico
«Vais avançar. Vais andar como costumas quando estás sós e pensas que alguém está a olhar para ti, Deus ou eu, ou este cão ao longo do mar, ou esta gaivota trágica face ao vento, tão só frente ao objeto atlântico.
(...)
És a extensão do mar, a extensão destas coisas seladas entre si pelo teu olhar.
O mar está à tua esquerda neste momento. Ouves o barulho dele misturado com o do vento.
Em lances intermináveis, avança em direção a ti, em direção às colinas da costa.
Tu e o mar, para mim são um todo, um só objeto, o do meu papel nesta aventura. Também eu olho para o mar. Tens de olhar como eu, como eu olho, o mais que posso, em vez de ti.
Saíste do campo da câmara.
Estás ausente.
(...)
Só a tua ausência fica, agora já sem nenhuma espessura, nenhuma possibilidade de nela abrir um caminho, de nela sucumbir de desejo.
(...)
Ficaste no estado de teres partido. E fiz um filme da tua ausência.
(...)
À noite fui para aquela sala do rés-do-chão que dá para o parque, fui para ali onde fico sempre no mês trágico de Junho, esse mês que inaugura o inverno.
Tinha varrido a casa, tinha limpo tudo como se fosse antes do meu funeral. Estava tudo limpo de vida, isento, vazio de sinais, e depois disse para comigo: vou começar a escrever para me curar da mentira de um amor que acabou em mim.
(...)
E depois comecei a escrever.
(...)
É assim que permaneces face a mim, na doçura, numa provocação constante, inocente, impenetrável.
No entanto continuam a existir em volta dos teus olhos, sempre, estas imensidades que rodeiam o olhar e esta existência que te anima no sono.
Continua também esta exaltação que me vem por não saber o que fazer disto, deste conhecimento que tenho dos teus olhos, das imensidades que os teus olhos exploram, por não saber o que escrever sobre isso, o que dizer, e o que mostrar da sua insignificância original.
(...)
Tu não sabes, embora ja tenha percebido.
Desde o primeiro instante.
«Vais avançar. Vais andar como costumas quando estás sós e pensas que alguém está a olhar para ti, Deus ou eu, ou este cão ao longo do mar, ou esta gaivota trágica face ao vento, tão só frente ao objeto atlântico.
(...)
És a extensão do mar, a extensão destas coisas seladas entre si pelo teu olhar.
O mar está à tua esquerda neste momento. Ouves o barulho dele misturado com o do vento.
Em lances intermináveis, avança em direção a ti, em direção às colinas da costa.
Tu e o mar, para mim são um todo, um só objeto, o do meu papel nesta aventura. Também eu olho para o mar. Tens de olhar como eu, como eu olho, o mais que posso, em vez de ti.
Saíste do campo da câmara.
Estás ausente.
(...)
Só a tua ausência fica, agora já sem nenhuma espessura, nenhuma possibilidade de nela abrir um caminho, de nela sucumbir de desejo.
(...)
Ficaste no estado de teres partido. E fiz um filme da tua ausência.
(...)
À noite fui para aquela sala do rés-do-chão que dá para o parque, fui para ali onde fico sempre no mês trágico de Junho, esse mês que inaugura o inverno.
Tinha varrido a casa, tinha limpo tudo como se fosse antes do meu funeral. Estava tudo limpo de vida, isento, vazio de sinais, e depois disse para comigo: vou começar a escrever para me curar da mentira de um amor que acabou em mim.
(...)
E depois comecei a escrever.
(...)
É assim que permaneces face a mim, na doçura, numa provocação constante, inocente, impenetrável.
No entanto continuam a existir em volta dos teus olhos, sempre, estas imensidades que rodeiam o olhar e esta existência que te anima no sono.
Continua também esta exaltação que me vem por não saber o que fazer disto, deste conhecimento que tenho dos teus olhos, das imensidades que os teus olhos exploram, por não saber o que escrever sobre isso, o que dizer, e o que mostrar da sua insignificância original.
(...)
Tu não sabes, embora ja tenha percebido.
Desde o primeiro instante.
24.4.09
I'M YOUR MAN (Leonard Cohen)
If you want a lover
I'll do anything you ask me to
And if you want another kind of love
I'll wear a mask for you
If you want a partner
Take my hand
Or if you want to strike me down in anger
Here I stand
I'm your man
If you want a boxer
I will step into the ring for you
And if you want a doctor
I'll examine every inch of you
If you want a driver
Climb inside
Or if you want to take me for a ride
You know you can
I'm your man
Ah, the moon's too bright
The chain's too tight
The beast won't go to sleep
I've been running through these promises to you
That I made and I could not keep
Ah but a man never got a woman back
Not by begging on his knees
Or I'd crawl to you baby
And I'd fall at your feet
And I'd howl at your beauty
Like a dog in heat
And I'd claw at your heart
And I'd tear at your sheet
I'd say please, please
I'm your man
And if you've got to sleep
A moment on the road
I will steer for you
And if you want to work the street alone
I'll disappear for you
If you want a father for your child
Or only want to walk with me a while
Across the sand
I'm your man
If you want a lover
I'll do anything that you ask me to
And if you want another kind of love
I'll wear a mask for you
I'll do anything you ask me to
And if you want another kind of love
I'll wear a mask for you
If you want a partner
Take my hand
Or if you want to strike me down in anger
Here I stand
I'm your man
If you want a boxer
I will step into the ring for you
And if you want a doctor
I'll examine every inch of you
If you want a driver
Climb inside
Or if you want to take me for a ride
You know you can
I'm your man
Ah, the moon's too bright
The chain's too tight
The beast won't go to sleep
I've been running through these promises to you
That I made and I could not keep
Ah but a man never got a woman back
Not by begging on his knees
Or I'd crawl to you baby
And I'd fall at your feet
And I'd howl at your beauty
Like a dog in heat
And I'd claw at your heart
And I'd tear at your sheet
I'd say please, please
I'm your man
And if you've got to sleep
A moment on the road
I will steer for you
And if you want to work the street alone
I'll disappear for you
If you want a father for your child
Or only want to walk with me a while
Across the sand
I'm your man
If you want a lover
I'll do anything that you ask me to
And if you want another kind of love
I'll wear a mask for you
16.4.09
Pequeno poema
A impaciencia infinita é o meu desejo
quando muito penso, já não possuo
Mas eu ardo as vezes também sinto
Instinto amor extinto
É possivel que meu orgulho de alma
venha a sofrer com este simples confronto
Não me vês, mas sente
Assopre um pouco mais
Que este xale vira seda
e logo cai sobre meus ombros
Queria pode beijar-te além do tempo
e te confessar menina que sou
Só que esse mesmo sopro
A leve resistencia do sopro do vento
pode parecer provocar nela
uma luta interior
Pois ainda resta-lhe um espirito
apaixonado e violento
Eu necessito o excepcional
e quando me aproximo demasiado da terra
queimo um pouco o coração do homem
que consegue enxergar
nos meus olhos amargos
um pouquinho do meu lar
de pedras
quando muito penso, já não possuo
Mas eu ardo as vezes também sinto
Instinto amor extinto
É possivel que meu orgulho de alma
venha a sofrer com este simples confronto
Não me vês, mas sente
Assopre um pouco mais
Que este xale vira seda
e logo cai sobre meus ombros
Queria pode beijar-te além do tempo
e te confessar menina que sou
Só que esse mesmo sopro
A leve resistencia do sopro do vento
pode parecer provocar nela
uma luta interior
Pois ainda resta-lhe um espirito
apaixonado e violento
Eu necessito o excepcional
e quando me aproximo demasiado da terra
queimo um pouco o coração do homem
que consegue enxergar
nos meus olhos amargos
um pouquinho do meu lar
de pedras
8.4.09
VERSOS ÍNTIMOS
Augusto dos Anjos
Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão — esta pantera —
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão — esta pantera —
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
3.4.09
Hombre, gracias
Ele tentou e conseguiu: tirou ouro do carvão. Pensando melhor, quem não é um acaso na vida? E foi assim. Enquanto o mundo representa com obediência o papel de ser, ele, embora não parecesse, não fazia parte dessa corja. Creio que se reconhece um homem por isso, pelo quanto ele pode surpreender uma mulher. Surpresas boas, por favor. Não é difícil representar. Todos representamos diversos papéis ridículos, educados, silenciosos, enfim. Poucos são puros. E ao falar de pureza, falo da sinceridade de cada um. De poder se ver pleno. “Nada é melhor do que tudo”, ouvia isso enquanto dirigia. Muito bem. A gente pensa demais. Com isso, teme demais. Eu ainda acredito nos sentimentos (expressividade). Meio cafona isso. E contraditório. Porque temos de ser hedonistas no dia-a-dia. Achar esse equilíbrio é a peça chave. Eu busco sempre o convívio com pessoas inteligentes, letradas, mas não é aí que encontro. Encontro sempre na simplicidade. Não digo simplicidade material. Alguém com alma. Neste momento, estendeu sua mão e me ajudou. Sem julgamentos. Segurou-me e confundiu a minha dor. Me desculpem, tropecei na verdade. Agora é ela que carrego comigo. E nela que eu me apoiarei. Na certeza de que o amor nos permite muito (seja sofrimento, seja contemplação). Assim entrego as minhas mãos à todos ou àquele que me enxergar sensível. Nada é mais lindo que a sensibilidade. O choro, o riso. Na plenitude do significado. Agora, com minha atual falta de nobreza, digo, e não me orgulho: minha mágoa com o mundo escureceu minha franqueza. Hoje não sei amar, mais ainda tenho o desejo. Dos homens que eu tive não quero lembranças. Nem mágoas nem esperanças. Distância de mim. Minha bengala ainda são meus sonhos. Sonhos pornográficos.
30.3.09
A thousand kisses deep (Leonard Cohen)
For Those Who Greeted Me *)
1. You came to me this morning
And you handled me like meat.
You´d have to live alone to know
How good that feels, how sweet.
My mirror twin, my next of kin,
I´d know you in my sleep.
And who but you would take me in
A thousand kisses deep?
2. I loved you when you opened
Like a lily to the heat.
I´m just another snowman
Standing in the rain and sleet,
Who loved you with his frozen love
His second-hand physique -
With all he is, and all he was
A thousand kisses deep.
3. All soaked in sex, and pressed against
The limits of the sea:
I saw there were no oceans left
For scavengers like me.
We made it to the forward deck
I blessed our remnant fleet -
And then consented to be wrecked
A thousand kisses deep.
4. I know you had to lie to me,
I know you had to cheat.
But the Means no longer guarantee
The Virtue in Deceit.
That truth is bent, that beauty spent,
That style is obsolete -
Ever since the Holy Spirit went
A thousand kisses deep.
5. (So what about this Inner Light
That´s boundless and unique?
I´m slouching through another night
A thousand kisses deep.)
6. I´m turning tricks; I´m getting fixed,
I´m back on Boogie Street.
I tried to quit the business -
Hey, I´m lazy and I´m weak.
But sometimes when the night is slow,
The wretched and the meek,
We gather up our hearts and go
A thousand kisses deep.
7. (And fragrant is the thought of you,
The file on you complete -
Except what we forgot to do
A thousand kisses deep.)
8. The ponies run, the girls are young,
The odds are there to beat.
You win a while, and then it´s done -
Your little winning streak.
And summoned now to deal
With your invincible defeat,
You live your life as if it´s real
A thousand kisses deep.
9. (I jammed with Diz and Dante -
I did not have their sweep -
But once or twice, they let me play
A thousand kisses deep.)
10. And I´m still working with the wine,
Still dancing cheek to cheek.
The band is playing "Auld Lang Syne" -
The heart will not retreat.
And maybe I had miles to drive,
And promises to keep -
You ditch it all to stay alive
A thousand kisses deep.
11. And now you are the Angel Death
And now the Paraclete;
And now you are the Savior's Breath
And now the Belsen heap.
No turning from the threat of love,
No transcendental leap -
As witnessed here in time and blood
A thousand kisses deep.
September 21, 1998
1. You came to me this morning
And you handled me like meat.
You´d have to live alone to know
How good that feels, how sweet.
My mirror twin, my next of kin,
I´d know you in my sleep.
And who but you would take me in
A thousand kisses deep?
2. I loved you when you opened
Like a lily to the heat.
I´m just another snowman
Standing in the rain and sleet,
Who loved you with his frozen love
His second-hand physique -
With all he is, and all he was
A thousand kisses deep.
3. All soaked in sex, and pressed against
The limits of the sea:
I saw there were no oceans left
For scavengers like me.
We made it to the forward deck
I blessed our remnant fleet -
And then consented to be wrecked
A thousand kisses deep.
4. I know you had to lie to me,
I know you had to cheat.
But the Means no longer guarantee
The Virtue in Deceit.
That truth is bent, that beauty spent,
That style is obsolete -
Ever since the Holy Spirit went
A thousand kisses deep.
5. (So what about this Inner Light
That´s boundless and unique?
I´m slouching through another night
A thousand kisses deep.)
6. I´m turning tricks; I´m getting fixed,
I´m back on Boogie Street.
I tried to quit the business -
Hey, I´m lazy and I´m weak.
But sometimes when the night is slow,
The wretched and the meek,
We gather up our hearts and go
A thousand kisses deep.
7. (And fragrant is the thought of you,
The file on you complete -
Except what we forgot to do
A thousand kisses deep.)
8. The ponies run, the girls are young,
The odds are there to beat.
You win a while, and then it´s done -
Your little winning streak.
And summoned now to deal
With your invincible defeat,
You live your life as if it´s real
A thousand kisses deep.
9. (I jammed with Diz and Dante -
I did not have their sweep -
But once or twice, they let me play
A thousand kisses deep.)
10. And I´m still working with the wine,
Still dancing cheek to cheek.
The band is playing "Auld Lang Syne" -
The heart will not retreat.
And maybe I had miles to drive,
And promises to keep -
You ditch it all to stay alive
A thousand kisses deep.
11. And now you are the Angel Death
And now the Paraclete;
And now you are the Savior's Breath
And now the Belsen heap.
No turning from the threat of love,
No transcendental leap -
As witnessed here in time and blood
A thousand kisses deep.
September 21, 1998
Um presente-surpresa, fantastico!
Que a vida humana é apenas um sonho outros já disseram, mas também a mim esta idéia persegue por toda a parte. Quando penso nos limites que circunscrevem as ativas e investigativas faculdades humanas; quando vejo que esgotamos todas as nossas forças em satisfazer nossas necessidades, que apenas tendem a prolongar uma existência miserável; quando constato que a tranqüilidade a respeito de certas questões não passa de uma resignação sonhadora, como se a gente tivesse pintado as paredes entre as quais jazemos presos com feições coloridas e perspectivas risonhas - tudo isso me deixa mudo. Meto-me dentro de mim mesmo e aí acho um mundo! Mas antes em pressentimentos e obscuros desejos do que em realidade e ações vivas. E então tudo paira a minha volta, sorrio e sigo a sonhar, penetrante adiante no universo.
Que as crianças não sabem o porquê de desejarem algo, todos os pedagogos estão de acordo. Mas que também homens feitos se arrastem como crianças, titubeando sobre a face da terra, e, exatamente como elas, não saibam de onde vêm e para onde vão, até mesmo que não têm um fim determinado para suas ações, igualmente governados por biscoitos, balas e chibatas, ninguém faz gosto em acreditar. Quanto a mim, parece-me que não há realidade mais palpável do que essa.
Concordo de boa vontade, até porque sei o que vais me dizer a respeito disso, que são exatamente essas as pessoas mais felizes. Essas mesmas que, como crianças, vivem o dia-a-dia sem pensar no futuro, arrastam suas bonecas por aí, vestem-nas, despem-nas, e voltam cheias de respeito diante da gaveta onde a mamã chaveia os bombons, e quando logram êxito, enfim, fazendo com que ela os dê, devoram-nos estufando a boca e gritando: Mais!...Sim, estas é que são criaturas felizes! A coisa também vai bem para aqueles que dão um título imponente para seus trabalhos vagabundos, ou até para seus sofrimentos, e os descrevem como obras gigantescas em prol da salvação e da prosperidade do gênero humano... Feliz daquele que consegue proceder assim! Mas aquele que reconhece em sua humildade onde tudo isso vai parar, quem vê quão gentil é o burguês ao ornamentar seu jardinzinho e elevá-lo a categoria de paraíso; quem tem noção de como o infeliz se arrasta infatigável pelo caminho, sob seu fardo, interessado apenas em contemplar por um minuto a mais a luz do sol – este, asseguro, também é tranqüilo e, ao construir um mundo dentro de si, é feliz do mesmo jeito por ser humano. E então, por mais limitado que esteja em seus movimentos, ele mantém no coração a doce sensação de liberdade, sabendo que poderá deixar o seu cárcere quando quiser.
GOETHE
Que as crianças não sabem o porquê de desejarem algo, todos os pedagogos estão de acordo. Mas que também homens feitos se arrastem como crianças, titubeando sobre a face da terra, e, exatamente como elas, não saibam de onde vêm e para onde vão, até mesmo que não têm um fim determinado para suas ações, igualmente governados por biscoitos, balas e chibatas, ninguém faz gosto em acreditar. Quanto a mim, parece-me que não há realidade mais palpável do que essa.
Concordo de boa vontade, até porque sei o que vais me dizer a respeito disso, que são exatamente essas as pessoas mais felizes. Essas mesmas que, como crianças, vivem o dia-a-dia sem pensar no futuro, arrastam suas bonecas por aí, vestem-nas, despem-nas, e voltam cheias de respeito diante da gaveta onde a mamã chaveia os bombons, e quando logram êxito, enfim, fazendo com que ela os dê, devoram-nos estufando a boca e gritando: Mais!...Sim, estas é que são criaturas felizes! A coisa também vai bem para aqueles que dão um título imponente para seus trabalhos vagabundos, ou até para seus sofrimentos, e os descrevem como obras gigantescas em prol da salvação e da prosperidade do gênero humano... Feliz daquele que consegue proceder assim! Mas aquele que reconhece em sua humildade onde tudo isso vai parar, quem vê quão gentil é o burguês ao ornamentar seu jardinzinho e elevá-lo a categoria de paraíso; quem tem noção de como o infeliz se arrasta infatigável pelo caminho, sob seu fardo, interessado apenas em contemplar por um minuto a mais a luz do sol – este, asseguro, também é tranqüilo e, ao construir um mundo dentro de si, é feliz do mesmo jeito por ser humano. E então, por mais limitado que esteja em seus movimentos, ele mantém no coração a doce sensação de liberdade, sabendo que poderá deixar o seu cárcere quando quiser.
GOETHE
27.3.09
Tão simples,tão igual, tão complexa é a relação humana
"O que busco na fala é a resposta do outro. O que me constitui como sujeito é minha pergunta" J. Lacan
26.3.09
LET´S GO
Mas é preciso ter força, é preciso ter raça
É preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca
Maria, Maria, mistura a dor e a alegria
Mas é preciso ter manha, é preciso ter graça
É preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania de ter fé na vida
É preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca
Maria, Maria, mistura a dor e a alegria
Mas é preciso ter manha, é preciso ter graça
É preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania de ter fé na vida
19.3.09
Pincel na mão do bobo
Toda vez que tento me dar bem eu me fodo. No pior sentido e mais grosso que a palavra pode trazer. Na melhor intenção do ser pagão, que comete o crime e lava as mãos. Sou apenas um humano preso no esgoto. Ao menos não fedo, seu azedo.
Um dia desses acabei dormindo muito mais do que devia. Quando acordei estava em um prédio muito alto, mas muito mais alto do que poderia ser possivel. Nunca mais dormi depois disso. Passei a deixar a luz acesa. Não por medo não. Eu sei que você está pensando bobeira a meu respeito. Seu merda. Já ouviu falar em ambição? É recreio agora, deixe para responder depois. Tome seu suco de laranja mecânica. É só uma suposição. Eu estou bem longe dali. Foi por isso que pude ver algo que ninguém mais viu. Um imenso balão de gás. Alguma pobre criancinha desgraçada perdeu o balão assim que o ganhou. Nem todos são acariciados no amor individual. Eu faço parte dos perdedores. Loseres. E o balão viajou galáxias, rodopiou ventos fortes e foi fotografado por vários ufólogos maneirissimos da pequena cidade de Vagina. Já viram aviões. Mas a graça não é essa, dá pra entender? A imensidão me assusta por isso fico pensando que são objetos inúteis na atmosfera dos valores meus. Quero ser pescadora de sonhos alheios. Pescarei o seu. Eu quero proteger esta casa de tudo que está abaixo dela. Até das almas penadas. Não gosto de ocultismo. Vamos nos exibicionar. Cortem os cabelos, tirem as roupas e mostrem o que há por trás dessa manta roxa que a vovó fez para o mundo se cobrir. Chorem como eu e amem, amém. Puta que o pariu, cmabolwieusba. É domingo todo dia em mim. Esta terra é de comer. Um dia desses virarei santa. Minha Mãezinha abençoará todos os imbecis do planeta com um copo de água pura. Da fonte. Eu serei luz e todos dependerão de mim. Porque no meu ventre gerei verdade, mesmo que nunca ninguém pode acreditar. Não verás o ar se não tocares o mar. Deita-te sobre o véu que era pra ser azul que eu derramo em ti minha baba horrorosa. Não é martírio não. É luto pela cegueira do meu coração.
Um dia desses acabei dormindo muito mais do que devia. Quando acordei estava em um prédio muito alto, mas muito mais alto do que poderia ser possivel. Nunca mais dormi depois disso. Passei a deixar a luz acesa. Não por medo não. Eu sei que você está pensando bobeira a meu respeito. Seu merda. Já ouviu falar em ambição? É recreio agora, deixe para responder depois. Tome seu suco de laranja mecânica. É só uma suposição. Eu estou bem longe dali. Foi por isso que pude ver algo que ninguém mais viu. Um imenso balão de gás. Alguma pobre criancinha desgraçada perdeu o balão assim que o ganhou. Nem todos são acariciados no amor individual. Eu faço parte dos perdedores. Loseres. E o balão viajou galáxias, rodopiou ventos fortes e foi fotografado por vários ufólogos maneirissimos da pequena cidade de Vagina. Já viram aviões. Mas a graça não é essa, dá pra entender? A imensidão me assusta por isso fico pensando que são objetos inúteis na atmosfera dos valores meus. Quero ser pescadora de sonhos alheios. Pescarei o seu. Eu quero proteger esta casa de tudo que está abaixo dela. Até das almas penadas. Não gosto de ocultismo. Vamos nos exibicionar. Cortem os cabelos, tirem as roupas e mostrem o que há por trás dessa manta roxa que a vovó fez para o mundo se cobrir. Chorem como eu e amem, amém. Puta que o pariu, cmabolwieusba. É domingo todo dia em mim. Esta terra é de comer. Um dia desses virarei santa. Minha Mãezinha abençoará todos os imbecis do planeta com um copo de água pura. Da fonte. Eu serei luz e todos dependerão de mim. Porque no meu ventre gerei verdade, mesmo que nunca ninguém pode acreditar. Não verás o ar se não tocares o mar. Deita-te sobre o véu que era pra ser azul que eu derramo em ti minha baba horrorosa. Não é martírio não. É luto pela cegueira do meu coração.
ATRÁS DA PORTA (chorando com chico)
Quando olhaste bem nos olhos meus
E o teu olhar era de adeus
Juro que não acreditei, eu te estranhei
Me debrucei sobre teu corpo e duvidei
E me arrastei e te arranhei
E me agarrei nos teus cabelos
Nos teu peito, teu pijama
Nos teus pés ao pé da cama
Sem carinho, sem coberta
No tapete atrás da porta
Reclamei baixinho
Dei pra maldizer o nosso lar
Pra sujar teu nome, te humilhar
E me vingar a qualquer preço
Te adorando pelo avesso
Pra mostrar que ainda sou tua
MULHER
E o teu olhar era de adeus
Juro que não acreditei, eu te estranhei
Me debrucei sobre teu corpo e duvidei
E me arrastei e te arranhei
E me agarrei nos teus cabelos
Nos teu peito, teu pijama
Nos teus pés ao pé da cama
Sem carinho, sem coberta
No tapete atrás da porta
Reclamei baixinho
Dei pra maldizer o nosso lar
Pra sujar teu nome, te humilhar
E me vingar a qualquer preço
Te adorando pelo avesso
Pra mostrar que ainda sou tua
MULHER
18.3.09
Severina
Eu presenciei as cenas. Embora não seja uma atriz dramática. Fui uma expectadora ilusão. Não me amem, não me permitam isso. Tem sangue na minha roupa. Eu pequei e não encontro o maldito perdão. Melhor assim. Vivo agora semi-nua no oco da irrazão.
15.3.09
O Cara Coroa (por Fabio Biondo)
O feio é diferente do bonito
O cinza é diferente do colorido
A diferença pode estar na cor
Na forma, na maneira que se informa
No desejo que se pede
Na maneira que se perde
No peito que aperta
Na vida que se acerta
Na falha que se aceita
Aceita assim que a luz da lua
É menos intensa que a do sol
E que nas noites intensas
Você não faz falta
Mas ainda falta eu te dizer
O cinza é diferente do colorido
A diferença pode estar na cor
Na forma, na maneira que se informa
No desejo que se pede
Na maneira que se perde
No peito que aperta
Na vida que se acerta
Na falha que se aceita
Aceita assim que a luz da lua
É menos intensa que a do sol
E que nas noites intensas
Você não faz falta
Mas ainda falta eu te dizer
3.3.09
Canto eu /canta você
Porque tenho pouca coragem quando devo ter muita
E muita quando devo ter pouca
Sou paradoxalmente rouca
Tenho uma perna que tenta andar
Enquanto a outra descansa
Para além do acaso
Onde estiver
o destino não me agarada como raiz
Dele nasce o julgamento
E é só o que dizem ao meu respeito
Há uma podridão de valores
Invertidos
enrustidos
Irresistiveis
Perversão da pérola do meu suave climax
Eu perdi o desejo que arde
em verdade pura
Na troca ganhei algumas fatias instantâneas
Nunca senti-me tão ausente de mim
Como me sinto na deriva da arte dilascerante de tentar amor
Monalisa do sorriso fraco
Ao meu beijo tua vida me saía
Como num trabalho paciente do peão
Eis a fuga do espírito individual
Estamos todos doentes por nos sentirmos doentes
Assim foram feitos os tecidos opacos e sem cor
Grandes e bonitos demais para mim
E muita quando devo ter pouca
Sou paradoxalmente rouca
Tenho uma perna que tenta andar
Enquanto a outra descansa
Para além do acaso
Onde estiver
o destino não me agarada como raiz
Dele nasce o julgamento
E é só o que dizem ao meu respeito
Há uma podridão de valores
Invertidos
enrustidos
Irresistiveis
Perversão da pérola do meu suave climax
Eu perdi o desejo que arde
em verdade pura
Na troca ganhei algumas fatias instantâneas
Nunca senti-me tão ausente de mim
Como me sinto na deriva da arte dilascerante de tentar amor
Monalisa do sorriso fraco
Ao meu beijo tua vida me saía
Como num trabalho paciente do peão
Eis a fuga do espírito individual
Estamos todos doentes por nos sentirmos doentes
Assim foram feitos os tecidos opacos e sem cor
Grandes e bonitos demais para mim
1.3.09
AO DESEJO (ultimo desejo)
por Hilda Hilst
Quem és? Perguntei ao desejo.
Respondeu: lava. Depois pó. Depois nada.
I
Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.
Antes, o cotidiano era um pensar alturas
Buscando Aquele Outro decantado
Surdo à minha humana ladradura.
Visgo e suor, pois nunca se faziam.
Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo
Tomas-me o corpo. E que descanso me dás
Depois das lidas. Sonhei penhascos
Quando havia o jardim aqui ao lado.
Pensei subidas onde não havia rastros.
Extasiada, fodo contigo
Ao invés de ganir diante do Nada.
II
Ver-te. Tocar-te. Que fulgor de máscaras.
Que desenhos e rictus na tua cara
Como os frisos veementes dos tapetes antigos.
Que sombrio te tornas se repito
O sinuoso caminho que persigo: um desejo
Sem dono, um adorar-te vívido mas livre.
E que escura me faço se abocanhas de mim
Palavras e resíduos. Me vêm fomes
Agonias de grandes espessuras, embaçadas luas
Facas, tempestade. Ver-te. Tocar-te.
Cordura.
Crueldade.
III
Colada à tua boca a minha desordem.
O meu vasto querer.
O incompossível se fazendo ordem.
Colada à tua boca, mas descomedida
Árdua
Construtor de ilusões examino-te sôfrega
Como se fosses morrer colado à minha boca.
Como se fosse nascer
E tu fosses o dia magnânimo
Eu te sorvo extremada à luz do amanhecer.
IV
Se eu disser que vi um pássaro
Sobre o teu sexo, deverias crer?
E se não for verdade, em nada mudará o Universo.
Se eu disser que o desejo é Eternidade
Porque o instante arde interminável
Deverias crer? E se não for verdade
Tantos o disseram que talvez possa ser.
No desejo nos vêm sofomanias, adornos
Impudência, pejo. E agora digo que há um pássaro
Voando sobre o Tejo. Por que não posso
Pontilhar de inocência e poesia
Ossos, sangue, carne, o agora
E tudo isso em nós que se fará disforme?
Existe a noite, e existe o breu.
Noite é o velado coração de Deus
Esse que por pudor não mais procuro.
Breu é quando tu te afastas ou dizes
Que viajas, e um sol de gelo
Petrifica-me a cara e desobriga-me
De fidelidade e de conjura. O desejo
Esse da carne, a mim não me faz medo.
Assim como me veio, também não me avassala.
Sabes por quê? Lutei com Aquele.
E dele também não fui lacaia.
Quem és? Perguntei ao desejo.
Respondeu: lava. Depois pó. Depois nada.
I
Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.
Antes, o cotidiano era um pensar alturas
Buscando Aquele Outro decantado
Surdo à minha humana ladradura.
Visgo e suor, pois nunca se faziam.
Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo
Tomas-me o corpo. E que descanso me dás
Depois das lidas. Sonhei penhascos
Quando havia o jardim aqui ao lado.
Pensei subidas onde não havia rastros.
Extasiada, fodo contigo
Ao invés de ganir diante do Nada.
II
Ver-te. Tocar-te. Que fulgor de máscaras.
Que desenhos e rictus na tua cara
Como os frisos veementes dos tapetes antigos.
Que sombrio te tornas se repito
O sinuoso caminho que persigo: um desejo
Sem dono, um adorar-te vívido mas livre.
E que escura me faço se abocanhas de mim
Palavras e resíduos. Me vêm fomes
Agonias de grandes espessuras, embaçadas luas
Facas, tempestade. Ver-te. Tocar-te.
Cordura.
Crueldade.
III
Colada à tua boca a minha desordem.
O meu vasto querer.
O incompossível se fazendo ordem.
Colada à tua boca, mas descomedida
Árdua
Construtor de ilusões examino-te sôfrega
Como se fosses morrer colado à minha boca.
Como se fosse nascer
E tu fosses o dia magnânimo
Eu te sorvo extremada à luz do amanhecer.
IV
Se eu disser que vi um pássaro
Sobre o teu sexo, deverias crer?
E se não for verdade, em nada mudará o Universo.
Se eu disser que o desejo é Eternidade
Porque o instante arde interminável
Deverias crer? E se não for verdade
Tantos o disseram que talvez possa ser.
No desejo nos vêm sofomanias, adornos
Impudência, pejo. E agora digo que há um pássaro
Voando sobre o Tejo. Por que não posso
Pontilhar de inocência e poesia
Ossos, sangue, carne, o agora
E tudo isso em nós que se fará disforme?
Existe a noite, e existe o breu.
Noite é o velado coração de Deus
Esse que por pudor não mais procuro.
Breu é quando tu te afastas ou dizes
Que viajas, e um sol de gelo
Petrifica-me a cara e desobriga-me
De fidelidade e de conjura. O desejo
Esse da carne, a mim não me faz medo.
Assim como me veio, também não me avassala.
Sabes por quê? Lutei com Aquele.
E dele também não fui lacaia.
12.2.09
Um brinde à rotina
E eu caibo
É meu copo
Sem mil lascas
Entre o desejo
Invado
Sua alma cálida
Cachorro
Chamo-o a mim
Sem danificar
Esta erva fina
Desço-lhe
As meias
E tu desces sobre mim
Para que o mundo veja
As galáxias rodopiem
Nossos risos condenam
A dor, passado
É amor
De verdade
E não descrevo
Pois não há palavra nesta intensidade
Vejam bem
E se ando nessas parreiras
Nunca foi por vontade
Pode ser merecimento
Nós devoramos os crocodilos
Aqui jazem jazidos
Pois agora nos permitimo-nos
Um infinito azul
Seja céu
seja mar (e as piegas estrelas.........)
Eu te abraço
Em dobro
E confesso
Nunca amei
Outro
Com a mesma certeza
Minhas perguntas
Têm respostas
Ó pai
Ó Pai
Fecham-se os medos.
É meu copo
Sem mil lascas
Entre o desejo
Invado
Sua alma cálida
Cachorro
Chamo-o a mim
Sem danificar
Esta erva fina
Desço-lhe
As meias
E tu desces sobre mim
Para que o mundo veja
As galáxias rodopiem
Nossos risos condenam
A dor, passado
É amor
De verdade
E não descrevo
Pois não há palavra nesta intensidade
Vejam bem
E se ando nessas parreiras
Nunca foi por vontade
Pode ser merecimento
Nós devoramos os crocodilos
Aqui jazem jazidos
Pois agora nos permitimo-nos
Um infinito azul
Seja céu
seja mar (e as piegas estrelas.........)
Eu te abraço
Em dobro
E confesso
Nunca amei
Outro
Com a mesma certeza
Minhas perguntas
Têm respostas
Ó pai
Ó Pai
Fecham-se os medos.
3.1.09
Lá na terra dos clichês
Ainda enquanto caminhava na contramão e insistia na dor pura de estar só suas mãos deixaram de sustentar o peso da vida. Não foi por segundos, minutos ou momentos. Não houveram sequer intenções. Ninguém implorou, chorou ou estendeu as mãos. Tudo permaneceu em silencio, em palavras quietas. E se tropeço nos clichês mais banais é porque agora meu mundo é assim.
Não se sopraram os clarinetes, nem se estenderam as rezas.
Assim se fez.
Não se sopraram os clarinetes, nem se estenderam as rezas.
Assim se fez.
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