8.11.12

Um cavalo de olhos azuis esverdeados

o que você vê é aquilo que vê: os hospícios raramente estão visíveis. que continuemos caminhando por aí e nos coçando e acendendo cigarros é mais miraculoso do que os banhos das beldades do que as rosas e as mariposas. sentar-se em um pequeno quarto e beber uma latinha de cerveja e fechar um cigarro ouvindo Brahms em um radinho vermelho é como ter voltado de uma dúzia de batalhas com vida ouvir o som da geladeira enquanto as beldades banhadas apodrecem e as laranjas e maçãs rolam para longe. Charles Bukowski - "O amor é um cão dos diabos - p.162".

7.11.12

Alvo branco

O desejo assassino as vezes desperta mesmo nas almas mais ocas. Naquelas dondocas queridinhas é onde ele vive certeiro. Sobre o cerrado no verão anda mais tranquilo, pois o frio é sedutor. Escorrem navios encobertos de plumas sobre a mesa de taças finas e corpos rosados. Ali mora o pergio, sangue, crueldade. Nas entrelinhas mal escritas dos versos que nunca, nunca foram ditos. Por que se chama saudade, silencio, timidez, ingenuidade, aquilo que deveria se chamar escuridão? Óh noturna senhora que olha de canto para as camas vazias. Não sabe nada da vida. Sente ali fora e corte seus pulsos para sentir a dor que chóra. Chore feito uma vadia por tudo aquilo que deixou de ser para parecer o que seria. Se eu pudesse meter uma bala em cada cabecinha dócil que me afaga. Não! Não se perca. Tem que ter peito e raça para permanecer de pé nesta estaca. Não vale cair.

Valsa dos sentidos

Pode-se dizer que na oposição entre o prelúdio e a fuga está inscrita uma encruzilhada. A fuga é sempre defasada, mas o prelúdio anda marcado, elegante. Eu nunca fui prelúdio, muito menos fuga. Talvez por isso ando sempre distante das verdades. O pulsar do relógio nunca foi o ditador da minha melodia. Mas por que eu falo de música? Tanto faz. Poderia falar de livros, de cinema, de esporte, política, economia. Isso pouco importa. Mas importa em mim a ênfase, a vivacidade das coisas, sempre me fixei na emoção que conduz qualquer coisa que seja. Acontece que as vezes o ritmo foge, o trem descarrilha e é necessário pensar, olhar o nada, chorar. Já havia passado o dia todo do sumiço da minha cachorrinha quando ela apareceu. E não há sensação melhor que a surpresa. Rá! A surpresa é uma rasteira que nos derruba e faz cócegas. Mas aí volta o silêncio e o pensar. E de pensar tanto e tanto, coisas que antes eu nem ligava, acho melhor sempre aguardar. Uma nova surpresa pode chegar. Quem sabe eu sou mais sortuda do que imagino. Fé, piada. A vida só não me fez menina.

9.10.12

art is never finished, only abandoned

Simplicity is the ultimate sophistication.

Se agarre na sua ilusão

Os homens mudam, e a mudança vem como um pequeno vento que balança as cortinas no amanhecer, e ele vem como o perfume de flores silvestres escondidas entre os matos na grama. O cheiro exala. Somos animais solitários. Nós gastamos toda a nossa vida tentando ser menos solitários. Um dos métodos antigos é contar uma história implorando o ouvinte a dizer e fazendo-o sentir - "Sim, essa é a forma como ela é, ou pelo menos é assim que eu sinto isso. Você não é tão sozinho como se pensava. " Na alma do povo As Vinhas da Ira estão enchendo e ficando pesadas​​, e mais pesadas são as lembranças conforme o tempo passa. O Homem tornou-se o nosso maior perigo, e nossa única esperança. Ninguém sabe realmente sobre outros seres humanos. O melhor que ele pode fazer é supor que eles são como a si mesmo.

8.9.12

A ausência

Ao chegar na terceira estação já é possível observar os diferentes percursos que percorri nos últimos meses. Sensação de ter quebrado os parapeitos que eu ainda podia me apoiar. Em todas as esquinas de todas as cidades por onde passei alguns olhos me perseguiam com o desejo cruel que eu fosse descoberta, que me prendessem nesse calabouço cuja saída não seria menos pior. Feliz é aquele que nunca acaba de ver. Posso escutar as gargalhadas secas dessa plateia. Sem problemas... é o risco de sempre querer estar na estação, no ápice, no dilúvio. E quando me recolho, apago as luzes, me desboto. Passo a andar em linhas de zigue e zague para ganhar tempo e desviar os vãos que tu me destes. Uma valeta que só tropeça quem não toma cuidado. No final de cada viagem, as paginas em branco são examinadas minuciosamente, exceto quando pegas de surpresas.

2.9.12

Blue moon

Esse corredor eu já atravessei. A mesma dor que me arranca tudo pela raiz. Essa mesma intensidade as vezes me persegue feito alegria. Dessa confusão que nunca se completa alimento em mim uma angustia infinita. E com um ventinho qualquer pode virar tempestade ou escultura. Sou uma escultora. E a realidade sempre foi invisível. Há quem diga que eu custo a enxergar. Também tem quem me acuse de mentirosa. No meu mundo a floresta sempre foi escura e cheia de enigmas monstruosos. Embora já conheci o paraíso. Eu fecho a porta da minha casa com pedras e espinhos. Abro-as apenas na hora do jantar. Estendo as palmas da mão cheias de vida, mas todo aquele que se senta na mesa vê minhas mãos vazias. Como se uma magia me tirasse o direito de ser. Ali na mesa, diante de todos os copos e versos manuscritos, talheres, facas e garfos, todos comem rapidamente para irem embora feito cães saciados. Já com receio tenho aprendido a tirar a mesa, lavar os pratos e esperar a noite seguinte, um outro jantar, com a mesma face me olhando como se nunca soubesse o que era amar.

4.4.12

MARAVILHANDO

No fundo do meu peito, dorme um verso.
É feito de visões, contradições,
desesperanças, sonhos, sins, senões.
Nele cabem tu, eu, mais o universo.

Se te abro o coração, em dor imerso,
então já não converso – oh emoções! -
mas transfiro minh’alma e orações
ao deus que, em ti presente, eu conservo.

É que a beleza vive pelo amor,
pois só por ele unem-se os extremos,
diluem-se mazelas, picuinhas

e faz com que o espírito, senhor
dos sentidos, almeje os bens supremos
e escreva certo pelas tortas linhas!

antonio thadeu wojciechowski

2.4.12

Labirinto

Em veneno me atiro em ti
para beber sem sede
até o interím deste inverno
onde os casacos de pele
nos cobrirão pálidos
entre os tumulos que nos afastam

São cinco os sentidos
sinto sempre o seu pulsar
o sangue da sua masculinidade
o sorriso intermitente

Soslaio, brilho e tragédia
As crianças completaram o quadro
do artista que sobre o ombro
vergava lua escura da noite
Sempre a esperar

Assim espero
sua boca acariciar meus seios
e te dou ouro
mesmo sabendo
que sua fome é de pão

Se falo amor
eu me ajoelho à morte
desmascarando o prazer
que em mim
também é dor

16.2.12

“O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno em que vivemos cada dia, que formamos estando juntos. Há duas maneiras de não sofrer. Uma é fácil à maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte dele até deixar de percebê-lo. A outra é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: tentar reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço.” (Marco Polo em “As Cidades Invisíveis”, de Italo Calvino, citado por Renato Modernell em “Os Jornalistas – O Romance do Carrosel”).

E AGORA

“E agora essa alegria ambígua, a alquimia: o crepúsculo de domingo celebra a passagem do vinho ao vinagre, processo secreto que me faz dissipar quem sou e reencarnar quem fui. Não sei quanto me resta. Só sei que estarás aqui quando eu, incógnito como cheguei, já tiver partido. Qual será o último filme, a última pizza? Só os duvidosos deuses enxergam o número de série de cada objeto e de cada gesto. No domingo, eles se divertem jogando bingo. Somos as pedrinhas saindo do saco escuro.” (Renato Modernell em “Os Jornalistas – O Romance do Carrossel”)