29.9.10

circuitos

“Um homem apaixonado pelo céu andava o tempo todo de rosto para cima, a contemplar as mutáveis configurações das nuvens e o brilho distante das estrelas.

Nesse embevecimento, não viu uma trave contra a qual topou violentamente com a testa. Um amigo zombou da sua distração,dizendo que quem só quer ver estrelas acaba vendo as estrelas que não quer.

Espírito previdente, esse amigo vivia de olhos postos no chão, atento a cada acidente do caminho. Por isso não pôde ter sequer um vislumbre da maravilhosa fulguração do meteoro que um dia lhe esmagou a cabeça.”


(José Paulo Paes, “Altos e Baixos”)

Li isso hoje... adorei!!! Viva Millor!!!

“Há muito tempo me desinteressei pelo futebol. Foi quando comecei a ver aqueles latagões, ganhando fortunas e tratados como odaliscas, não conseguirem dar um passe certo no meio do campo — sem qualquer pressão do adversário. Como artista plástico, tratado daquele jeito, eu morreria de vergonha se não pintasse uma capela Sistina por semana.” (Millôr Fernandes, 1984)

28.9.10

Entao: pergunte ao pó?

“Histéricos, nus e famintos
tragados pelas ruas negras da madrugada a procura
de um pico raivoso,
Hipsters angelicais queimando-se pela primitiva ligação celestial
Nos dínamos chocantes das engrenagens da noite,
Miseráveis e esfarrapados com olhos sagrados nas alturas do fumo
Na escuridão do topo das cidades contemplando jazz...”

27.9.10

C. F. A. - Natureza Viva

Como você sabe, dirás feito um cego tateando, e dizer assim, supondo um conhecimento, faria quem sabe o coração do outro adoçar um pouco até prosseguires, mas sem planejar, embora planejes há tanto tempo, farás coisas como acender o abajur do canto depois apagar a luz mais forte, criando um clima assim mais íntimo, mais acolhedor, que não haja tensão alguma no ar, mesmo que previamente saibas do inevitável das palmas molhadas de tuas mãos, do excesso de cigarros e qualquer coisa como um leve tremor que, esperas, não transparecerá em tua voz. Mas dirás assim, por exemplo, como você sabe, sim como você sabe, a gente, as pessoas, infelizmente têm, temos, essa coisa, emoções, mas te deténs, infelizmente? o outro talvez perguntaria por que infelizmente? então dirás rápido, para não desviar-te demasiado do que estabeleceste, qualquer coisa como seria tão bom se pudéssemos nos relacionar sem que nenhum dos dois esperasse absolutamente nada, mas infelizmente, insistirás, infelizmente nós, a gente, as pessoas, têm, temos - emoções. Meditarias: as pessoas falam coisas, e por trás do que falam há o que sentem, e por trás do que sentem há o que são e nem sempre se mostra. Há os níveis-não-formulados, camadas imperceptíveis, fantasias que nem sempre controlamos, expectativas que quase nunca se cumprem, e sobretudo emoções. Que nem se mostra. Por tudo isso, infelizmente, repetirás, insistirás, completamente desesperado, e teu único apoio seria a mão estendida que, passo a passo, raciocinas com penosa lucidez, através de cada palavra estarás quem sabe afastando para sempre. Mas já não sou capaz de me calar, talvez dirás então, descontrolado, e um pouco mais dramático, porque meu silêncio já não é uma omissão, mas uma mentira. O outro te olhará com seus olhos vazios, não entendendo que teu ritmo acompanharia o desenrolar de uma paisagem interna, absolutamente não-verbalizável, desenhada traço a traço em cada minuto dos vários dias e tantas noites de todos aqueles meses anteriores, recuando até a data, maldita ou bendita, ainda não ousaste definir, em que pela primeira vez o círculo magnético da existência de um, por acaso banal ou pura magia, interceptou o círculo do outro.No silêncio que se faria, pensas, precisarás fazer alguma coisa, como colocar um disco ou ensaiar um gesto, mas talvez não faças nada, porque ele continuará te olhando com seus olhos vazios, no fundo dos quais procuras, mergulhador submarino, o indício mínimo de um tesouro escondido para que possas voltar à tona com um sorriso nos lábios e as mãos repletas de pedras preciosas. Mas nesse silêncio que certamente se fará, talvez acendas mais um cigarro, e com a seca boca cerrada, sem nenhum sorriso, evitarias o mergulho para não correres o risco de encontrar uma fera adormecida...

- CAIO F.

24.9.10

Contra, dizendo Crumb!

Difícil trazer algo novo quando tanta coisa já foi dita e redita sobre a passagem do Crumb pelo Brasil. O que se pode diferenciar é o olhar de cada um. Muitos jornalistas e muitas pessoas que passaram pela Flip este ano o fizeram pelo interesse irreverente na obra de Robert Crumb. Quando eu soube da confirmação dele fiquei histérica na busca de uma forma de chegar à Parati. Ônibus, carro, avião, dinheiro, trabalho, filha, pousada, tempo, espaço. Nada que a força de vontade não supere. Muitas vezes já me senti uma mulher crumbiana (fortinha). E é nessa ótica feminina que eu sempre fui fã das obras desse quadrinista. Sabe aqueles sentimentos que as mães têm quando vão ver um show do Roberto Carlos no ginásio de esportes da cidade?! Assim eu fico quando leio o Crumb. Enquanto Roberto Carlos enxerga o coração dessas mães, Crumb também fala, ao seu modo, à auto-estima feminina.Sou um pouco suspeita para comentar a respeito, mas tudo bem, pois se a noite de amores é inevitável, então o negócio é relaxar e gozar! Confesso que nunca fui uma fã de carteirinha dele, até bem pouco tempo. Meus amigos sempre comentavam e diziam que eu era tão perfeita fisicamente que só mesmo o Crumb podia ter me desenhado! Hahaha..., todo escritor aumenta um pouquinho o enredo. No entanto, só fui começar a entender seus livros de verdade quando vi o documentário sobre sua vida. É incrível como um sujeito que tinha tudo para dar errado, conseguiu se sair tão bem na vida! Vai lá, o cara é extravagante e meio estrela também, mas eu dou razão para ele! É um tanto chato ser rodeado de pessoas e jornalistas de chocadeira que sequer o conhecem como sua obra exige. Ademais, é sempre bom lembrarmos que - bem ou mal - a obra é uma extensão do artista, ainda que Barthes contradiga essa máxima.No século XIX, Honoree de Balzac exaltava a mulher de trinta, dando origem ao termo "balzaquiana", que em resumo mostra que a mulher chegou no seu auge; da obra de Crumb nasceu também um padrão de beleza: a mulher crumbiana! Esta, uma mulher forte, decidida e com a qual machinho nenhum vem "se meter à besta". A antítese às figurinhas macabras que povoam o Fantástico Mundinho da moda e às bonequinhas presentes na tevê e no cinema. A mulher crumbiana é tudo o que toda mulher que se ama sonha em ser! Aliás, imagina só que foi ele quem fez a capa para o disco "Cheap Thrills" da Janis Joplin! Tudo bem que ela não passou dos 27, mas o que vale, além de sua voz para sempre calçada no coração da humanidade, é a forma carinhosa como Crumb a retratou. Que honra maior uma mulher poderia querer?!
Pessoalmente, ainda sinto que meus amigos exageravam quando me chamavam de crumbiana, até porque sou uma simples mortal, jornalista e mãe de família, apaixonada por tudo o que faço. Mas o fato me fez conhecer e admirar esse autor a ponto de me tornar uma ávida apreciadora de seu trabalho. Tive o prazer de vê-lo na última FLIP e acreditem, ele foi um legítimo cavalheiro. No entanto, até onde eu pude perceber, a imprensa preferiu cutucar a onça com vara curta, criticaram sua postura e deixaram a desejar nas entrevistas. Eles já sabiam que ele era antissocial e sequer souberam respeitar isso, afinal misantropos e sopas são coisas muito semalhantes: comem-se pelas beiradas! Em tudo quanto é canto a gente lê que ele tratou os repórteres com frieza e esculhambou os fotógrafos até não poder mais. Agora convenhamos, o cara se enfiou em um remoto cantinho lá na França para justamente se manter longe de todo esse frenesi. Não quero criticar os jornalistas (estaria dando um tiro no próprio pé), mas é um fato consumado que o sistema os imbeciliza e acaba com profissionais que poderiam fazer muito mais do que supõe-se sua vã formação. É sempre bom lembrar que o Crumb vem de uma geração de idealistas e sempre será lembrado como um ícone da contracultura. Está certo que hoje o cara é um idealista frustrado, mas ainda assim, continua sendo um artista ímpar. Outra coisa interessante foi ver que em determinados momentos, quando perguntado sobre o que achava de determinado novo talento, ele sempre respondia que nem sabia quem era, e boa parte da imprensa usava isso como munição para achincalhá-lo. Ora bolas, ele estava no seu direito! Afinal, ele é o Crumb!Enfim lá estava eu sentada diante dele, sua mulher Aline Kominski (legitima personagem), o não menos talentoso Gilbert “Freak” Shelton e sua esposa Lora Fountain. Mandei a ver com minhas perguntinhas que renderam algumas matérias por aí. Lá vai:

Logo de inicio quando lhe perguntaram sobre sua opinião acerca do trabalho da nova geração de quadrinistas como o de Dash Shaw, ele responde que não conhece. Gilbert também. Aline justificou o fato com a ausência deles a esse mundo midiático. Quando foi questionado por retratar a América ele comentou duramente que o rosto da América hoje é “ugly, very ugly”, porque se tornou um estado fascista, e por mais que algum grande estadista queira ou tente mudar isso, as forças destrutivas são muito maiores. Depois explica qual é a relação da sua vida pessoal com o Genesis: “nenhuma”. Ele só tentou retratar a história de uma forma mais cômica. Disse que gosta dos mitos, da riqueza dessas histórias, de Sodoma e Gomorra, dos mistérios antigos. Ao lhe perguntar sobre a cantora Aracy Cortes e a escolha dela para fazer parte da coletânea composta por Crumb, intitulada “Hot Woman”, o escritor citou sua paixão pelos discos de 78 rotações e ainda acrescentou: “se alguém tiver algum disco para vender, eu compro”. No restante da entrevista eles mantiveram a pose o e caráter característicos, proporcionando risadas e muita franqueza e objetividade. “É bizarro participar da Flip”, comentou Crumb, “Não quero ser levado a sério”, conclui. “Eu não conheço nenhum jovem”, respondeu Shelton quando questionado sobre a nova juventude e as influências massivas da mídia. “Mercado competitivo? Você deve estar zoando...”, disse ironicamente Crumb depois de ser interrogado pelo mediador, o jornalista Sérgio Dávila. Drogas, barbas, folk music, mulheres... Alguém sempre acabava caindo nessas questões com os dois que respondiam quase caricaturadamente com feições e gestos engraçados. Além de todo essa papo, Crumb citou muito sua família. Sua filha, também desenhista, e seu neto. Todos, hoje, morando na França. “Voltar para os EUA? Eu não! Tenho vergonha de ser americano. Tenho vergonha até de morar no planeta. Nós estamos todos encrencados”. E para completar, já que a festa era literária, eles não gostam de ficção, estão tentando ler os clássicos e admiram livros de jornalismo investigativo. No final do bate papo eles elogiaram a cidade de Paraty e confessaram que só vieram para o Brasil porque suas esposas os convenceram. Adoraram nosso guaraná! Interessante. “Só não se esqueçam, eu sou um artista do século XIX”. “Draw or die”.


Juana Dobro

12.9.10

São duas horas da madrugada de um dia assim

No meio da multidão. O riso afogava o grito do suicidio agudissimo na sua face. "Eu nao quero isso!" Essa dor fixada como um calo na minha alma. Essa dor está sempre ali. Ora Bebo, ora danço, ora amo, ora choro. Oras, essa dor nao se esgota em mim. Os desejos oscilam: entre zero e mil. Kilometros por hora. Aí caio na angustia dessa arma sem esporas. Devo pedir a Deus que me permita lhe conhecer? Devo aceitar esse destino tao belo como um conto de fadas daqueles que se contam para a criança ninar? Não sei se a alegria faz parte de mim fora do dia-a-dia. Se eu sou uma pessoa amarga. Se eu sou uma pessoa contente. Prepotente. Feliz ou infeliz. Não convém jamais julgar o que não podemos julgar, amém. Sabe o que é o amor pra mim? É a novidade, a invençao, o inexplicável. O acaso. A supresa que liga o momento lúcido à fantástica ilusão. Eia coisa (...), embora eu queira nao sei de nada mais. Estou rouca. Acho que o tempo passou para mim. Ninguém pôde me enxergar. Espero que você entenda e nunca desista. Minha carcaça não é bondade, embora a verdade sempre mentirá para você. Entretanto, em mim o sentimento é pleno. Venha, venha. Só reconheça o perigo de um universo em chamas. Não convém jamais julgar o que nao podemos julgar, amém.

Juana Dobro

1.9.10

Se há tempo para descansar

“Nunca é tarde para começar”. É cedo para começar? É tarde para terminar. É tarde para ser cedo demais, espera. O tempo tão efêmero cronologicamente o fizemos seres condicionados a ele. Tudo é sempre uma questão de perspectiva. Quando era jovem, embora ainda o seja, pensava que já o era e que quando estivesse hoje não o mais seria. Não dá para questionar essas coisas. Sei de Cora, sei de Hilda, sei de tantos compositores de tempos binários, trinários e quaternários. Sei que há tempos que me escravizei por ti, passado, presente, futuro.
Se sorrisos me caracterizam hoje, esse eterno hoje sempre será.
Nunca é tarde para acabar. Espera-se, passa. Então devo amar?
Não me mato pelo tempo que me afasta da juventude, ele cria em mim algo menos temporário e mais eterno que luzes agudas na veia. Sei que ainda lembro de seus desejos escuros. Mas quero outros desejos que me contemplem o bem estar. Pois se há tempo que ele seja curto quanto o vento e longo no sofá.
Depois de tudo me fiz mãe e o tempo nunca mais me consumirá.


Juana Dobro