31.10.14

Considerações sobre o sono, por Antônio Maria

"A pessoa que dorme está inteiramente só. *** Quando o homem dorme, o seu rosto se desmarca de todas as tramas e de todos os desgostos. *** Nada enternece mais uma mulher que o rosto do amante, dormindo. *** Ela se debruça sobre a face do amado e descobre que eram simples palavras todas as valentias que ele lhe vinha dizendo ou dando a entender. *** É quando a gente se parece menos com os mortos... é quando se está dormindo. *** Quanto mais pobre mais comovente o ser humano que dorme. *** No sono, a imobilidade das pessoas boas e confiantes é sempre desarrumada. *** Gente má dorme em posição de sentido. ***Cada travesseiro tem um lugar e uma importância definidos na vigência do sono. *** Não há nenhum abandono casual, nas pernas, nos braços ou na cabeça de quem dorme, porque o corpo realiza, desde que haja espaço, sua única posição realmente confortável. *** Experimente descobrir na mulher que dorme a seu lado, um ser infinitamente decente, muito além de sua capacidade de fazer-lhe uma razoável justiça. *** Quanta luz nos corpos despidos das mulheres claras! *** Seria uma demasia de requinte ou de louvação, fazê-las dormir sobre lençóis negros? *** A mais leve carícia de sua mão sobre o corpo da amada que dorme poderá quebrar a solidão do sono e a tranqüilidade da carne já não seria completa (contente-se em enternecer-se, sem tocá-la). *** Se for preciso despertá-la, que seja com ruídos aparentemente casuais. *** Ah, que intensos ciúmes, no passado e no futuro, sobre a nudez da amada que dorme! Só você a viu, só você a verá assim tão bela! *** Nas mulheres que dormem vestidas há sempre, por menor que seja, um sentimento de desconfiança. *** A amada tem sob os cílios a sombra suave das nuvens. *** Seu sossego é o de quem vai ser flor, após o último vício e a última esperança. *** Um homem e uma mulher jamais deveriam dormir ao mesmo tempo, embora invariavelmente juntos, para que não perdessem, um no outro, o primeiro carinho de que desperta. *** Mas, já que é isso impossível, que ao menos chova, a noite inteira, sobre os telhados dos amantes."

30.10.14

Rotina

Já era quase 5 da manhã quando acordei com um susto, meus olhos se abriram rapidamente procurando a realidade me sentia excitada com os desejos projetados em um inconsciente sem razão Sentia seu corpo quase sempre ao meu lado, sua perna entrelaçada sua respiração e inquietude. Não tem como perder a emoção e tudo se dilacera tão rápido, que fico pescando fatos Esta noite tudo se repete como um pesadelo inevitável, um duelo constante do meu coração. Fragância, suor, pele e pelos Quero arrancar isso de dentro de mim, furar meu corpo com um lápis de ponta e ver a dor escorrer com essa merda de ilusão Se pudesse escolheria ser carne porque me sinto estúpida em rastejar nessa lama, quando reajo me perco na devassidão Não há distância para o amor, li certo dia em um contexto qualquer e banal quase vomitei de tédio. Chega dessa porra, arrancarei minhas viceras amanhã olhos, metais e líquidos, todos boiarão no mesmo fosso E vai cheirar muito mal o mesmo odor que me vem a noite, quando sonho com você, meu amor. Morra

Rima em vão

Enxergo atrás de um filtro fosco, desgosto é o que sinto por quase tudo e neste antigo porta retrato figura a fotografia ja castanha de um tempo-espaço-vão As vezes me sinto feito sono já dormido bicando o chão com firmeza mas sem alcançar o corrimão andando sempre feito recuo medo vazio e escuridão Neste tempo é morno meu delírio uma vertigem constante que me faz oscilar isso porque me escapam as certezas e presa nessa gaiola nunca pude ficar Ainda que eu achasse a sincronia da saliva que a falta de palavras me retém minha raiva fica exposta no silêncio de que me tornei refém Não há rima que me cubra no mesmo calor de teus braços de antemão me despeço saudades aperto maior ainda é o cansaço