29.4.08

Hilda Hilst

E as vezes fico vazia. Leio Hilda. Outras horas estou cheia. Leio Hilda. Têm dias que acordo triste. Leio Hilda. Ontem andei eufórica. Li Hilda. Esses dias estava safada. Precisei da Hilda. Escrevi um texto. Me inspirei em Hilda. Hoje estou total Hilda. Pretendo um dia envelhecer. Envelhecer admirando Hilda. Valeu mulhé por ter publicado suas magnificas palavras. Quantas Hildas recatadas devem haver neste mundinho...

Tô Só

Crônica de Hilda Hilst para o "Correio Popular" de Campinas-SP


Vamo brincá de ficá bestando e fazê um cafuné no outro e sonhá que a gente enricô e fomos todos morar nos Alpes Suíços e tamo lá só enchendo a cara e só zoiando? Vamo brincá que o Brasil deu certo e que todo mundo tá mijando a céu aberto, num festival de povão e dotô? Vamo brincá que a peste passô, que o HIV foi bombardeado com beagacês, e que tá todo mundo de novo namorando? Vamo brincá de morrê, porque a gente não morre mais e tamo sentindo saudade até de adoecê? E há escola e comida pra todos e há dentes na boca das gentes e dentes a mais, até nos pentes? E que os humanos não comem mais os animais, e há leões lambendo os pés dos bebês e leoas babás? E que a alma é de uma terceira matéria, uma quântica quimera, e alguém lá no céu descobriu que a gente não vai mais pro beleléu? E que não há mais carros, só asas e barcos, e que a poesia viceja e grassa como grama (como diz o abade), e é porreta ser poeta no Planeta? Vamo brincá

de teta

de azul

de berimbau

de doutora em letras?

E de luar? Que é aquilo de vestir um véu todo irisado e rodar, rodar...

Vamo brincá de pinel? Que é isso de ficá loco e cortá a garganta dos otro?

Vamo brincá de ninho? E de poesia de amor?

nave

ave

moinho

e tudo mais serei

para que seja leve

meu passo

em vosso caminho.*

Vamo brincá de autista? Que é isso de se fechá no mundão de gente e nunca mais ser cronista? Bom-dia, leitor. Tô brincando de ilha.

28.4.08

TELETRANSPORTE

Os viajantes do mundo, que absorvem as vidas, que desenvolvem a arte, que plantam a música, que colhem chuvas. Os personagens do mundo.
Eu não acredito em tudo. Mas duvido pouco da imaginação.
Partindo do início, "eu faria tudo de novo". Quando entrei no "jardim de ilusões" eu ainda estava bêbada. Cansada. A espontaneidade da leitura me carregou para um circo de sentimentos reais. Palavras-picadeiros. Tudo muito cru. (ausência)
Menos líquida.
Não precisamos de muito para sermos muito?! Porque não somos muito.
Também fiquei contente por existir. Por não ser infeliz, oras.
Não saí da platéia até o fim da peça. Coisa rara. Eu repudio o teatro, mas me vi tão atriz. Melhor, espectadora. De sonhos. Ou fatos? Uau! "É domingo em mim", pensei. Neste momento, eu estava saindo da fila do banheiro e indo para fila do bar. Ironia. Outra coisa bacana demais.
Depois de atrasar por dois dias consecutivos no trabalho eu achei melhor seguir em frente. Fui até o fim. Que não é bem um fim. Talvez seja o começo.
Até aí os espelhos ainda não tinham me revelado a verdade.
Teriam poderes: as palavras, os personagens, o teatro ou o escritor? Eu preciso saber quem carregou a minha identidade. Original. Não posso esquecer. Eu também busco respostas.
Nas janelas e parapeitos, enquanto empurro a balança da praça e observo o fundo dos olhos da minha pequena, nos restos de folhas que apodrecem no gramado, na fina camada de pó encima do balcão da sala. Ou talvez no brilho do ouro do colar que espedacei. Ainda deve ter algum valor.
No entanto, você não citou você. (engulo seco) Admiro o silêncio da alma. Mas não acredito. Temo. Porém, me pus a acreditar. (fácil, fácil, mas não inocente, acho)
Muito linda é a autencidade. Demorei a perceber que era tudo assim mesmo como seria se não fosse. Caráter em caracteres. Eu passei a acreditar.


*Texto escrito depois da leitura do livro "Jardim de Ilusões", do amigo Édio Raniere.

24.4.08

Humana, desmaiada humana

A piedade sufoca. Dá náusea. Assim como a fraqueza. Têm pessoas que acham créditos na fraqueza. Não sei como. Isso me incomoda. Hoje, quase desintoxicada de vida, escrevo. Minhas mãos seguem linhas tortas. Sempre. Eu nunca sei onde as palavras vão parar. Elas fogem do meu controle. Controle esse que tenho pouco.
Sinto desejo de prazer quase todo o tempo. Esse me sobe à garganta. Em alguns segundos, vomito. A moral ou o desejo?
Os vícios são incontroláveis mesmo. A vida sadia vai para o ralo na mesma gorfada. “Gorfada”? (risos) Amor igual a nojo.
A água parada fedia. Acaba a vertigem da bondade. Atravesso o inverno. Páro na penteadeira. Cheia de espelhos. Abro a gaveta. Dois conhaques, por favor. Um com gelo. Assim eu encaro meus olhos com mais certezas. Feridos pela ingratidão. Cuspo no lixo ao lado. Porque mulher não cospe. Então que seja no lixo. Na mira. Tudo muito justo, não é meu irmão?
Sentei no chão. Conformada e cética. Não era nada. – Elevador!, gritou-lhe sua fada madrinha de longo vestido rosa. 3° andar. É o andar da dor. Sempre retorno. E sempre que retorno penso em ti. Hipocrisia minha comigo mesma. Ai, pleonasmos factuais.
Já estava empanturrada de tudo a essa hora do dia. Sua cadela roliça! Beatice da mente cristã.
Agora minha cabeça está nua. Vou tentar encontrar delicadeza em minh’alma. Fantasticar os acontecimentos. Coisa de coiseados. Etapas maduras da vida, dizem os mais ilusionados. Eu digo também. (besta) Me sinto uma vaca gigante e gorda ruminando no pasto. Logo me volto nobre, ofendida.

Viro de bruço, mas não se aproveite. Não vale a pena.

18.4.08

PAUSA DE MOMENTO

Disse-lhe: não desanime. Trocaram um aperto de mão e foram embora.
Encostou a cabeça na cama. Sentiu-se bem, mas estava mal.
Estava cheia de cicatrizes pelo corpo cansado.
Sorriu para sua própria figura e repetiu a si: ótimo!
Apanhou o livro e continuou sua leitura.
"Isto é para você, em especial... O homem não mudará nada do seu destino final, que é retornar, mais cedo ou mais tarde, à inconsciencia e ao sem forma."
Se pôs a rir (gargalhadas).
Pegou um chocolate, desembrulhou. Pegou um cigarro e foi até a janela.
Uma mordida, um trago. Sucessivamente.
Éramos apenas bons narradores, pensou.
Voltou à cama e continuou a leitura.
Desta vez mais atenta.

5.4.08

PARTE 2

Ela não tinha controle do que iria acontecer. Muito menos ele. Mas ainda não sabiam disso. Tudo parecia indiferente naquele momento.
Antes de mais nada o autor não poderia deixar de ressaltar que pouco sabe sobre as caracteristicas de seu personagem masculino.Vê-se que ele vem com uma dor e guarda um lado rancoroso e malvado, que não se expressa em seus atos ou em sua aparência. É alegre e inteligente. Alberto, se chama. Ela é cheia de extremismos. Foi cartomante na juventude. Aprendeu o equilibrio, mas ainda não sabe se equilibrar. Porém, sofre de melancolia. Escreve poesias nas horas vagas. Foi abandonada por seu amor (literalmente). Parece coisa de gente besta. Mas eu acredito que ela não seja. Melhor assim. Possui um senso estético aguçado, facil de perceber no seu gosto pelas artes.
Impulsos. Parecem que os dois são movidos a impulsos. Excrucitante! What the fuck is porra é isso?
Quase tudo que ela despreza num homem ele tinha. Mas nele pareciam vantagens. Engraçado. (silêncio) Essas carcteristicas contrárias acabavam por lhe dar tesão. Inexplicável. Para que o texto não se torne erótico, não é este o objetivo, voltaremos ao enredo chave.
Todos conversavam tranquilos sob a mesa e os longos papos. Melaine surtou. (sempre surta) Ah, Melaine era seu nome. Nomes, meros signos. Armadilhas da imaginação. Pois bem, ela pirou. Precisava fazer uma ligação. (estes fatos da vida de Melaine só se explicariam com um psicanalista, uma vez que ela tem fortes disturbios assossiados à problemas familiares grávissimos) Naquele lugar, há quilômetros da civilização, uma ligação era algo complicado. Mas ela quis realizar essa façanha e procurar um ponto que tivesse receptividade no aparelho celular. Não que ela seja presunçosa, mas é dificil de tirar de sua cabeça quando ela quer fazer alguma coisa. Teimosia de menina mimada. Coisa insuportável mesmo.
Foram caminhando até a porteira, há pouco mais de 600 metros de onde estavam. Melaine, Alberto e mais duas amigas, Sara e Clarice. É interessante falar de Clarice porque ela era a causa de muita coisa ali. Era ela quem havia apresentado Alberto a Melaine e programado o encontro. Havia muito tempo que ela tentava isso. Não sei bem ao certo o porque. Coisas de mulheres. Coisas de amigos. Tem pessoas que acreditam, talvez por bondade, talvez por interesse, talvez por superioridade, que podem se meter na vida dos outros. Dar arbitrios. Soou meio bruto isso. No caso de Clarice é a mais pura bondade. Ela é uma querida! Acredito que tem uma inteção pura de provocar momentos de prazer e reunir seus amigos. Em outras palavras. Seus amigos sempre lhe pedem para levar uma mulher e ou amiga para dar mais graça à essas reunioes. Nada mais. Não é de hoje que ela arma coisas deste tipo.
Enfim, estavamos rumo a porteira da chacará. Pegamos chuva. Andávamos sob uma escuridão quase total. Lua Nova. Melaine sentia um pouco de medo. Precaução seria mais correto. Chegaram no ultimo portão e nada de sinal no celular. Resolveram voltar. A chuva havia aumentado. Assim Melaine pegaria o carro e iria atras de sua tarefa estranha em algum ponto mais distante. Fazer uma ligação. Talvez há uns 2 quilometros dali. Em algum ponto onde as montanhas não interferissem. E foi o que fez.

PARTE 1

Tinha tomado banho. Levava um pequeno frasco de colônia na bolsa. Aroma agradável. Se misturava com o vapor da água. Cereja. O banheiro ficava no final do corredor. As paredes brancas e a pouca luz e o silêncio deixavam uma sensação de hospital. Caminhou até o ambiente onde todos estavam. Uma espécie de copa gigante. Churrasqueira. (estava se sentindo um pouco isolada, não tinha intimidade com as pessoas dali) Os quartos eram todos iguais. Uma cama simples de solteiro e um criado mudo, com uma vela e uma imagem de Cristo. Ela estava lá por acaso. Seus desejos não pareciam puritanos. O que tornava o local ainda mais excitante. As incertezas e um pocuo de timidez apimentavam o que estaria por vir. Ou ao menos o que era para ter acontecido. Por ora, pensou muitas vezes que não deveria estar naquele lugar. O que realmente a motivou a ir foram 3 grilos verdes. Superstições. A experiência sempre serve apenas para invalidar o dogma. Os pólos não se repelem, se atraem. E as coisas não são, acontecem.
Ela já o desejava muito antes. Nem mesmo o conhecia. Nem lembranças fisicas. Uma indução. Isso. E ele estava lá no meio de tantas outras pessoas. Conversava. Sorria. Comandava. Eram todos seus amigos. Aprisionados com imagens e lembranças do passado. Discutiam da infância a juventude modesta. Enquanto ela divagava na sua propria existencia (coisa que sempre a comoveu, visto que possui um sentimentalismo bizarro) e dançava na voz que para ela soava como uma música sensual. O desejo efêmero fascina a menina-mulher. Minuto. Segredo. Seus movimentos oscilam.
Ela era alta. Cabelos curtos. Olhar seguro. Mente insegura. Ele parece um garoto assustado, mas logo se vê que gosta do perigo. Enfrenta. Um homem com semblante de menino. (suspiro) Esbarravam-se. Quase diferentes. Possuem um fio de ligação que por instantes se rompe e volta a se ligar rapidinho. Ciclos humanos.
Até aí a ocasião não os havia favorecido juntos. Talvez individualmente. O fogo já não era mais certeiro.
Mas as histórias com final (sejam eles felizes ou tristes) não são as melhores. Nunca serão.
Eles estao todos sentados. Uns cigarros aproximam, descontraem. Aumenta a entonação. Cura um pouco. Sigam as coisas seus rumos. Se possivel.

Girl Anachronism

you can tell
from the scars on my arms
and cracks in my hips
and the dents in my car
and the blisters on my lips
that i'm not the carefullest of girls

you can tell
from the glass on the floor
and the strings that're breaking
and i keep on breaking more
and it looks like i am shaking
but it's just the temperature
and then again
if it were any colder i could disengage
if i were any older i could act my age
but i dont think that youd believe me
it's
not
the
way
i'm
meant
to
be
it's just the way the operation made me

and you can tell
from the state of my room
that they let me out too soon
and the pills that i ate
came a couple years too late
and ive got some issues to work through
there i go again
pretending to be you
make-believing
that i have a soul beneath the surface
trying to convince you
it was accidentally on purpose

i am not so serious
this passion is a plagiarism
i might join your century
but only on a rare occasion
i was taken out
before the labor pains set in and now
behold the world's worst accident
i am the girl anachronism

and you can tell
by the red in my eyes
and the bruises on my thighs
and the knots in my hair
and the bathtub full of flies
that i'm not right now at all
there i go again
pretending that i'll fall
don't call the doctors
cause they've seen it all before
they'll say just
let
her
crash
and
burn
she'll learn
the attention just encourages her

and you can tell
from the full-body cast
that i'm sorry that i asked
though you did everything you could
(like any decent person would)
but i might be catching so don't touch
you'll start believeing youre immune to gravity and stuff
don't get me wet
because the bandages will all come off

and you can tell
from the smoke at the stake
that the current state is critical
well it is the little things, for instance:
in the time it takes to break it she can make up ten excuses:
please excuse her for the day, its just the way the medication makes her...

i dont necessarily believe there is a cure for this
so i might join your century but only as a doubtful guest
i was too precarious removed as a caesarian
behold the worlds worst accident
I AM THE GIRL ANACHRONISM



THE DRESDEN DOLLS
(Amanda Palmer)

MADALENA EM CONTRIÇÃO

(Carlos Tê)

onde vais pelo passeio
diva de um casino em ruínas
onde vais num devaneio
de quem ateia mil e uma camas

deixas no ar ao passar
o perfume dos melodramas

és aquela que se despe
sem a mínima ciência, aquela
que se usa sem agitar
sem ter de fingir, fingir ternura

deixas no ar ao passar
o perfume dos melodramas

olha um fariseu a rondar a esquina
à tua procura
parece um cristo encoberto
de passo incerto
e o olhar baço de quem conhece o deserto
é um beija-flor nocturno
só quer chorar no teu regaço
não fiques arrependida
não lhe invejes a vida
ele vem do lado direito
onde há flores e casamentos
mas quanto amor imperfeito
há nesses perfeitos momentos

4.4.08

PEDIDO

Não vou beber
Vou viver o que é para ser vivido
Eu sei o quanto assusto
Eu ando assustada também
Há tempo
Há tempos tive que reconstruir meus sonhos
Me doe a cabeça muito mais que o coração (visão figurativa)
As pessoas são hedonistas, grande parte delas
Eu também queria ser
Porque eu sou alegre pela simples razão de ser assim
O que pesam as vezes são meus músculos
Me arrastam e não me permitem mais voar
Me livre do pecado
Eu te peço
Sem insistir
Amém

INSUFICIÊNCIA

Não te preocupes
Não te movas
Deixa cair teu corpo sobre o meu
E bebo-lhe a boca
Num beijo ancioso

Ia dizendo em voz baixa
quase um sussurro
Eu gostaria...

Ardente e suave
Quando coberta a noite
Vou me despir
Derrubando a ultima gota
do sangue do cordeiro

Então o desejo
puro
Se torna vulgar
A chama se apaga

Serena aurora
vê-se apenas inocentes
que tentam andar

Mas seus sonhos pesados
não são contos infantis
Vêm com menos deuses e mais diabos
A dor e a morte
lhe atraem

E o amor lhe é isso

Fascínio simples
Desejo cru
Vira de novo a flor
Fecham-se os medos

2.4.08

Confronto


Bateu Amor à porta da Loucura.
"Deixa-me entrar - pediu - sou teu irmão.
Só tu me limparás da lama escura
a que me conduziu minha paixão."

A Loucura desdenha recebê-lo,
sabendo quanto Amor vive de engano,
mas estarrece de surpresa ao vê-lo,
de humano que era, assim tão inumano.

E exclama: "Entra correndo, o pouso é teu.
Mais que ninguém mereces habitar
minha casa infernal, feita de breu,

enquanto me retiro, sem destino,
pois não sei de mais triste desatino
que este mal sem perdão, o mal de amar."

Carlos Drummond de Andrade (1902 ~ 1987)

Imagens: Hieronymus Bosch

(...)

Como gato, Nitchevo existia apenas num dos lados do tempo; e esse lado era bom. Não lhe podia ocorrer que um prisioneiro tentasse fugir das prisões do Texas e fosse abatido (e a fuga não era mais do que um sonho), que directores dessas prisões escrevessem breves cartas narrando o acontecimento, que capatazes resmungassem desdenhosamente nas costas de homens cujos dedos tremiam com medo de rerrar, que as rodas gritassem e fizessem estalar o chicote como o patrão. Nada disso lhe ocorria. Nem que os homens eram cegos que julgavam ver claramente as coisas, nem que Deus pudesse dar-se à bebida. Não, Nitchevo não sabia que este curioso acidente da matéria, a terra, girava perigosamente e que um dia qualquer, sem ninguém esperar, seria projectada pela excessiva energia da sua própria órbita, despedaçando-se em infinitos pedacinhos de desastre.


Tennessee Williams


(1911-1983)