O homem atlântico
«Vais avançar. Vais andar como costumas quando estás sós e pensas que alguém está a olhar para ti, Deus ou eu, ou este cão ao longo do mar, ou esta gaivota trágica face ao vento, tão só frente ao objeto atlântico.
(...)
És a extensão do mar, a extensão destas coisas seladas entre si pelo teu olhar.
O mar está à tua esquerda neste momento. Ouves o barulho dele misturado com o do vento.
Em lances intermináveis, avança em direção a ti, em direção às colinas da costa.
Tu e o mar, para mim são um todo, um só objeto, o do meu papel nesta aventura. Também eu olho para o mar. Tens de olhar como eu, como eu olho, o mais que posso, em vez de ti.
Saíste do campo da câmara.
Estás ausente.
(...)
Só a tua ausência fica, agora já sem nenhuma espessura, nenhuma possibilidade de nela abrir um caminho, de nela sucumbir de desejo.
(...)
Ficaste no estado de teres partido. E fiz um filme da tua ausência.
(...)
À noite fui para aquela sala do rés-do-chão que dá para o parque, fui para ali onde fico sempre no mês trágico de Junho, esse mês que inaugura o inverno.
Tinha varrido a casa, tinha limpo tudo como se fosse antes do meu funeral. Estava tudo limpo de vida, isento, vazio de sinais, e depois disse para comigo: vou começar a escrever para me curar da mentira de um amor que acabou em mim.
(...)
E depois comecei a escrever.
(...)
É assim que permaneces face a mim, na doçura, numa provocação constante, inocente, impenetrável.
No entanto continuam a existir em volta dos teus olhos, sempre, estas imensidades que rodeiam o olhar e esta existência que te anima no sono.
Continua também esta exaltação que me vem por não saber o que fazer disto, deste conhecimento que tenho dos teus olhos, das imensidades que os teus olhos exploram, por não saber o que escrever sobre isso, o que dizer, e o que mostrar da sua insignificância original.
(...)
Tu não sabes, embora ja tenha percebido.
Desde o primeiro instante.
28.4.09
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