28.4.09

Marguerite Duras e duras juras do meu desejo

O homem atlântico

«Vais avançar. Vais andar como costumas quando estás sós e pensas que alguém está a olhar para ti, Deus ou eu, ou este cão ao longo do mar, ou esta gaivota trágica face ao vento, tão só frente ao objeto atlântico.

(...)

És a extensão do mar, a extensão destas coisas seladas entre si pelo teu olhar.

O mar está à tua esquerda neste momento. Ouves o barulho dele misturado com o do vento.

Em lances intermináveis, avança em direção a ti, em direção às colinas da costa.

Tu e o mar, para mim são um todo, um só objeto, o do meu papel nesta aventura. Também eu olho para o mar. Tens de olhar como eu, como eu olho, o mais que posso, em vez de ti.


Saíste do campo da câmara.


Estás ausente.

(...)


Só a tua ausência fica, agora já sem nenhuma espessura, nenhuma possibilidade de nela abrir um caminho, de nela sucumbir de desejo.

(...)

Ficaste no estado de teres partido. E fiz um filme da tua ausência.

(...)

À noite fui para aquela sala do rés-do-chão que dá para o parque, fui para ali onde fico sempre no mês trágico de Junho, esse mês que inaugura o inverno.

Tinha varrido a casa, tinha limpo tudo como se fosse antes do meu funeral. Estava tudo limpo de vida, isento, vazio de sinais, e depois disse para comigo: vou começar a escrever para me curar da mentira de um amor que acabou em mim.

(...)

E depois comecei a escrever.

(...)

É assim que permaneces face a mim, na doçura, numa provocação constante, inocente, impenetrável.

No entanto continuam a existir em volta dos teus olhos, sempre, estas imensidades que rodeiam o olhar e esta existência que te anima no sono.

Continua também esta exaltação que me vem por não saber o que fazer disto, deste conhecimento que tenho dos teus olhos, das imensidades que os teus olhos exploram, por não saber o que escrever sobre isso, o que dizer, e o que mostrar da sua insignificância original.

(...)


Tu não sabes, embora ja tenha percebido.

Desde o primeiro instante.

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