30.4.09

DESCONEXO-ME

As vezes ando entre a cozinha e minha cama
Choro para não sentir frio
É um fio muito tênue
na desgraça caio em graça
Você me pergunta:
Qual é a sua doença?
Está na sua boca
entreaberta
lendo meu texto
como se me soubesse
Há em ti desejos que também não conheces
Acaricio sua mão
Deverias sabê-los
Olho para fora na noite vazia
Esta mesma noite também aparece assim para você?
A morte dá calafrios nos meus seios
Num bar contarás esta história
O grito louco das gaivotas
Nunca vai permitir-te ser minha inspiração
Mas juntos alimentaremos os vermes do lodo
Que o sono os possui
nós não

Temperamental

Tudo sempre me pareceu tarde demais ou cedo demais. Nunca vivi no ponto. Vocês donas de casa, fazedoras de bolos e quitutes, sabem muito bem da dificuldade de acertar o ponto. Quando eu era jovem achava que ja era tarde para me aventurar ou que era cedo demais para eu arriscar tudo e cair na vida. Maldita insuficiência. Isso sufoca sim. Falta ar. Dá desmaios. Depressões, quedas de cabelo, chatices. E mulherices. Aí isso eu tenho de sobra. Vontade de vomitar nos peitos dessa gostosona que fica desfilando aqui na frente de casa. As estações do ano eram contínuas na minha vida. Nunca percebi diferenças, mas sempre me senti crua, mal passada. Hoje, mais velha (estou com 43 anos), dois filhos, um esposo e um ex-esposo, me sinto tostada. Dura feito pedra.
Eu estava no supermercado. Precisamente na prateleira de papel higiênico. "Gostosa", ouvi alguem susurrando atrás de mim. Nunca havia recebido elogio algum. Nem dos meus maridos, namorados, filhos. Eu nunca fui bonita. Nunca fiz academia. Nunca usei maquiagem. Mas sempre fui vaidosa, engraçado. O moço era muito bonito. Devia ter uns 30 anos. Descaradamente, ele pegou um pedaço de papel e enfiou no bolso traseiro da minha calça. Eu não gritei. Embora, tenha ficado assustada. Permaneci estática. Um arrepio nervoso. Roberto, 45632356.

28.4.09

Marguerite Duras e duras juras do meu desejo

O homem atlântico

«Vais avançar. Vais andar como costumas quando estás sós e pensas que alguém está a olhar para ti, Deus ou eu, ou este cão ao longo do mar, ou esta gaivota trágica face ao vento, tão só frente ao objeto atlântico.

(...)

És a extensão do mar, a extensão destas coisas seladas entre si pelo teu olhar.

O mar está à tua esquerda neste momento. Ouves o barulho dele misturado com o do vento.

Em lances intermináveis, avança em direção a ti, em direção às colinas da costa.

Tu e o mar, para mim são um todo, um só objeto, o do meu papel nesta aventura. Também eu olho para o mar. Tens de olhar como eu, como eu olho, o mais que posso, em vez de ti.


Saíste do campo da câmara.


Estás ausente.

(...)


Só a tua ausência fica, agora já sem nenhuma espessura, nenhuma possibilidade de nela abrir um caminho, de nela sucumbir de desejo.

(...)

Ficaste no estado de teres partido. E fiz um filme da tua ausência.

(...)

À noite fui para aquela sala do rés-do-chão que dá para o parque, fui para ali onde fico sempre no mês trágico de Junho, esse mês que inaugura o inverno.

Tinha varrido a casa, tinha limpo tudo como se fosse antes do meu funeral. Estava tudo limpo de vida, isento, vazio de sinais, e depois disse para comigo: vou começar a escrever para me curar da mentira de um amor que acabou em mim.

(...)

E depois comecei a escrever.

(...)

É assim que permaneces face a mim, na doçura, numa provocação constante, inocente, impenetrável.

No entanto continuam a existir em volta dos teus olhos, sempre, estas imensidades que rodeiam o olhar e esta existência que te anima no sono.

Continua também esta exaltação que me vem por não saber o que fazer disto, deste conhecimento que tenho dos teus olhos, das imensidades que os teus olhos exploram, por não saber o que escrever sobre isso, o que dizer, e o que mostrar da sua insignificância original.

(...)


Tu não sabes, embora ja tenha percebido.

Desde o primeiro instante.

24.4.09

I'M YOUR MAN (Leonard Cohen)

If you want a lover
I'll do anything you ask me to
And if you want another kind of love
I'll wear a mask for you
If you want a partner
Take my hand
Or if you want to strike me down in anger
Here I stand
I'm your man

If you want a boxer
I will step into the ring for you
And if you want a doctor
I'll examine every inch of you
If you want a driver
Climb inside
Or if you want to take me for a ride
You know you can
I'm your man

Ah, the moon's too bright
The chain's too tight
The beast won't go to sleep
I've been running through these promises to you
That I made and I could not keep
Ah but a man never got a woman back
Not by begging on his knees
Or I'd crawl to you baby
And I'd fall at your feet
And I'd howl at your beauty
Like a dog in heat
And I'd claw at your heart
And I'd tear at your sheet
I'd say please, please
I'm your man

And if you've got to sleep
A moment on the road
I will steer for you
And if you want to work the street alone
I'll disappear for you
If you want a father for your child
Or only want to walk with me a while
Across the sand
I'm your man

If you want a lover
I'll do anything that you ask me to
And if you want another kind of love
I'll wear a mask for you

16.4.09

Pequeno poema

A impaciencia infinita é o meu desejo
quando muito penso, já não possuo
Mas eu ardo as vezes também sinto
Instinto amor extinto
É possivel que meu orgulho de alma
venha a sofrer com este simples confronto
Não me vês, mas sente
Assopre um pouco mais
Que este xale vira seda
e logo cai sobre meus ombros
Queria pode beijar-te além do tempo
e te confessar menina que sou
Só que esse mesmo sopro
A leve resistencia do sopro do vento
pode parecer provocar nela
uma luta interior
Pois ainda resta-lhe um espirito
apaixonado e violento
Eu necessito o excepcional
e quando me aproximo demasiado da terra
queimo um pouco o coração do homem
que consegue enxergar
nos meus olhos amargos
um pouquinho do meu lar
de pedras

8.4.09

VERSOS ÍNTIMOS

Augusto dos Anjos

Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão — esta pantera —
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

3.4.09

Hombre, gracias

Ele tentou e conseguiu: tirou ouro do carvão. Pensando melhor, quem não é um acaso na vida? E foi assim. Enquanto o mundo representa com obediência o papel de ser, ele, embora não parecesse, não fazia parte dessa corja. Creio que se reconhece um homem por isso, pelo quanto ele pode surpreender uma mulher. Surpresas boas, por favor. Não é difícil representar. Todos representamos diversos papéis ridículos, educados, silenciosos, enfim. Poucos são puros. E ao falar de pureza, falo da sinceridade de cada um. De poder se ver pleno. “Nada é melhor do que tudo”, ouvia isso enquanto dirigia. Muito bem. A gente pensa demais. Com isso, teme demais. Eu ainda acredito nos sentimentos (expressividade). Meio cafona isso. E contraditório. Porque temos de ser hedonistas no dia-a-dia. Achar esse equilíbrio é a peça chave. Eu busco sempre o convívio com pessoas inteligentes, letradas, mas não é aí que encontro. Encontro sempre na simplicidade. Não digo simplicidade material. Alguém com alma. Neste momento, estendeu sua mão e me ajudou. Sem julgamentos. Segurou-me e confundiu a minha dor. Me desculpem, tropecei na verdade. Agora é ela que carrego comigo. E nela que eu me apoiarei. Na certeza de que o amor nos permite muito (seja sofrimento, seja contemplação). Assim entrego as minhas mãos à todos ou àquele que me enxergar sensível. Nada é mais lindo que a sensibilidade. O choro, o riso. Na plenitude do significado. Agora, com minha atual falta de nobreza, digo, e não me orgulho: minha mágoa com o mundo escureceu minha franqueza. Hoje não sei amar, mais ainda tenho o desejo. Dos homens que eu tive não quero lembranças. Nem mágoas nem esperanças. Distância de mim. Minha bengala ainda são meus sonhos. Sonhos pornográficos.