E ela entrou no bar. Noite vazia. De tão sentimental por pouco lhe vazava nas bordas lágrimas bem transparentinhas. Um coração incurável sempre com ar de moradia. Não era para ser naquele momento, mas lhe caiu como um gole ardente do álcool mais puro. Só não sabia, que de volátil nada havia. Com a cabeça baixa, mesmo triste, não poupava o riso. Era para que a vida fosse mais impo...rtante que tudo. E seria. Olhou para aquele homem barrigudo e desleixado que ficava atrás do balcão murmurando dizeres sem nexo, de forma que as vezes ofendia, e pediu:
- Uma dose.
A dose transbordou sobre a mesa, escorreu por todos os lados, preencheu todos os vãos, cantinhos e espaços. Quase que ela não consegue segurar tudo de uma vez porque nunca havia ganhado uma dose assim tão grande, tão forte, tão encorpada de álcool e embriaguez. A dose veio com um delicioso acompanhamento, de brinde: um destino.
3.11.11
6.9.11
Eu apaguei a luz.
Que esse Deus que vós proliferais pela boca seja menos sangue. Porque se tudo se justifica em simples palavras a poesia já seria rainha. Não dá, esse meu leve hábito de acreditar me faz uma suicida compulsiva. E eu morro diariamente frente à seus olhos e a tantos olhos que nos olham-vazios-insuportáveis. Já haviam meses que eu não bebia. Estava realmente buscando algo que me facinasse no mundo a ponto de eu não precisar de mais nada. Mas essa busca eloquente por um sentimento que valia é nula em mim. Num momento triste como agora, que me sinto triste e oca, num momento assim me permito um pouco fracassada para meu eu. Entretanto se observo meu redor, o que eu fui além de uma guerreira da vida? Uma guerreira banana que nao sabe se anda, se senta ou se apaga da memória as roxas porradas que a falta de algo me causou. E bebo mais já que é véspera de feriado e chove muito lá fora. Bebo por cada medo que engoli inteiro e sozinha. Cada mão que me soltou no precipício sem ao menos olhar para trás. À sua ausência de espírito. Ainda sinto gemer seus gritos de socorro no meu ventre. Mas não há mais vida em mim para que ao menos eu possa me despedir. E as ofensas serão infinitas enquanto eu, mulher.
28.7.11
MEMORIAS VERMELHAS
Agora vestida com o uniforme oficial cor de sangue neste presídio solitário. As manhãs prolongadas me dao medo. A pena será longa e eu terei de cumpri-la com a cabeça erguida. Essa coisa teatral que faz parte do dia a dia. As manchas ja estao por toda a parte da roupa que nem se vê a cor exata. Do lado de fora, começa o espetáculo. E me calo frente ao copo de aguardente para conseguir subir no palco. Nao sou atriz e nunca pretendi ser. A verdade é que nao gosto de interpretaçoes. Isso vale para todos os sentidos possiveis da palavra. Mas, ainda que isso me custasse, nao haviam escolhas. Resolvi subir as escadas e cá estou buscando uma confirmaçao da platéia. É, a sinceridade me tirou os aplausos.
9.4.11
Meu acorde é um só
Às vezes percebo que certas musicas, as melhores, não tem letra. Assim prestamos mais atenção na melodia. Nesta mesma constante vejo hoje, pequeno, nosso amor. O “não-dito” nos toca e nos faz ouvir aquilo que nunca seria possível se não houvesse em nós a música da nossa relação. E embora sejamos músicos, de fato, isso nada tem a ver com a parábola. A nossa composição está no olhar, no toque, na emoção do encontro, na dor da despedida, nas risadas e discussões, no medo que temos de perder um ao outro. Essas são as notas que não nos deixam mentir. Assim, quando precisamos ouvir a musica, não importa a técnica, os sentidos, a ciência, a matemática. Esqueça das lições, interpretações e opiniões. Vale, apenas sentir. E nessa coisa do sentir somos profissionais virtuosos. Em um mês nossas variadas partituras já comporiam um livro de graduados. Do alegreto moderato ao andante prestíssimo. É, nem sempre há harmonia nessas linhas (...). Mas nossas habilidades musicais nos permitem desafinar sem perder o ritmo e a postura. Aos dodecafônicos agradecemos à parceria. A música não parou desde àquele instante inexato. Sempre pulsante: ora tambor, ora clarinete. Tumtam, parampampam. Essa escala não tem volta. Eu amo nossa música como se fosse a mais bela tocada nesse anfiteatro da vida. Quem da platéia ainda vaia, é porque não entende de som coisa nenhuma. Antes de baixar o volume preste atenção, mas não perca o raciocínio: o que os compositores fizeram foi só tocar em instrumentos aquilo que já era tocado pelo corpo. Parafraseando Uexkull: “Todo corpo é uma melodia que se toca”. Pode vir metal ou clássico, brega ou popular: nossa música é para sempre. O nosso amor é melodia.
1.3.11
(…)
“Mas um velho de aspecto venerando
Que ficava nas praias, entre a gente,
Postos em nós os olhos, meneando
Três vezes a cabeça, descontente,
A voz pesada um pouco alevantando,
Que nós no mar ouvimos claramente,
C’um saber só de experiências feito,
Tais palavras tirou do experto peito:
– ‘O glória de mandar! Ó vã cobiça
Desta vaidade a quem chamamos fama!
Ó fraudulento gosto que se atiça
Com aura popular que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldades neles experimentas!
‘Dura inquietação d’alma e da vida
Fonte de desamparos e adultérios,
Sagaz consumidora conhecida
De fazendas, de reinos e de impérios!
Chamam-te ilustre, chamam-te subida,
Sendo digna de infames vitupérios;
Chamam-te Fama e Glória soberana,
Nomes com que se o povo néscio engana!”
(Camões em “Os Lusíadas”; estrofes 94, 95 e 96 do canto quarto).
Que ficava nas praias, entre a gente,
Postos em nós os olhos, meneando
Três vezes a cabeça, descontente,
A voz pesada um pouco alevantando,
Que nós no mar ouvimos claramente,
C’um saber só de experiências feito,
Tais palavras tirou do experto peito:
– ‘O glória de mandar! Ó vã cobiça
Desta vaidade a quem chamamos fama!
Ó fraudulento gosto que se atiça
Com aura popular que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldades neles experimentas!
‘Dura inquietação d’alma e da vida
Fonte de desamparos e adultérios,
Sagaz consumidora conhecida
De fazendas, de reinos e de impérios!
Chamam-te ilustre, chamam-te subida,
Sendo digna de infames vitupérios;
Chamam-te Fama e Glória soberana,
Nomes com que se o povo néscio engana!”
(Camões em “Os Lusíadas”; estrofes 94, 95 e 96 do canto quarto).
Nao sei se voce se lembra
“Então, não sei se você se lembra, nos veio aquela vontade súbita de comer siris. Havia anos que nós não comíamos siris e a vontade surgiu de uma conversa sobre os almoços de antigamente. Lembro-me bem — e não sei se você se lembra — que o primeiro a ter vontade de comer siris fui eu, mas que você aderiu logo a ela, com aquele entusiasmo que lhe é peculiar, sempre que se trata de comida ou de mulher.
Então, não sei se você se lembra, começamos a rememorar os lugares onde se poderia encontrar uma boa batelada de siris, para se comprar, cozinhar num panelão e ficar comendo de mãos meladas, chão cheio de cascas do delicioso crustáceo e mais uma para rebater de vez em quando. E só de pensar nisso a gente deixou pra lá a vontade pura e simples e passou a ter necessidade premente de comer siris.
Então, não sei se você se lembra, telefonamos para o Raimundo, que era o campeão brasileiro de siris e, noutros tempos, dava famosos festivais do apetitoso bicho em sua casa. Ele disse que, aos domingos, perto do Maracanã, havia um botequim que servia siris maravilhosos, ao cair da tarde. Não sei se você se lembra que ele frisou serem aqueles os melhores siris do Rio, como também os únicos em disponibilidade, numa época em que o siri anda vasqueiro e só é vendido naquelas insípidas casquinhas.
Ah… foi uma alegria saber que era domingo e havia siris comíveis e, então, nos dois — não sei se você se lembra — apesar da fome que o uisquinho estava nos dando — resolvemos não almoçar para ficar com mais vontade ainda de comer siris. Passamos incólumes pela refeição, enquanto o resto do pessoal entrava firme num feijão que cheirava a coisa divina do céu dos glutões. O pessoal — aliás — achava que era um exagero nosso, guardar boca para um siri que só comeríamos à tarde, porque podíamos perfeitamente ter preparo estomacal para eles, após o almoço.
Mas — não sei se você se lembra — fomos de uma fidelidade espartana aos siris. Saímos para o futebol com uma fome impressionante e passamos o jogo todo a pensar nos siris que comeríamos ao sair do Maracanã.
Então — não sei se você se lembra — saímos dali como dois monges tibetanos a caminho da redenção e chegamos no tal botequim. Então — não sei se você se lembra — que a gente chegou e o homem do botequim disse que o siri já tinha acabado.”
(Stanislaw Ponte Preta, o Sérgio Porto, em “Não sei se você se lembra”)
Então, não sei se você se lembra, começamos a rememorar os lugares onde se poderia encontrar uma boa batelada de siris, para se comprar, cozinhar num panelão e ficar comendo de mãos meladas, chão cheio de cascas do delicioso crustáceo e mais uma para rebater de vez em quando. E só de pensar nisso a gente deixou pra lá a vontade pura e simples e passou a ter necessidade premente de comer siris.
Então, não sei se você se lembra, telefonamos para o Raimundo, que era o campeão brasileiro de siris e, noutros tempos, dava famosos festivais do apetitoso bicho em sua casa. Ele disse que, aos domingos, perto do Maracanã, havia um botequim que servia siris maravilhosos, ao cair da tarde. Não sei se você se lembra que ele frisou serem aqueles os melhores siris do Rio, como também os únicos em disponibilidade, numa época em que o siri anda vasqueiro e só é vendido naquelas insípidas casquinhas.
Ah… foi uma alegria saber que era domingo e havia siris comíveis e, então, nos dois — não sei se você se lembra — apesar da fome que o uisquinho estava nos dando — resolvemos não almoçar para ficar com mais vontade ainda de comer siris. Passamos incólumes pela refeição, enquanto o resto do pessoal entrava firme num feijão que cheirava a coisa divina do céu dos glutões. O pessoal — aliás — achava que era um exagero nosso, guardar boca para um siri que só comeríamos à tarde, porque podíamos perfeitamente ter preparo estomacal para eles, após o almoço.
Mas — não sei se você se lembra — fomos de uma fidelidade espartana aos siris. Saímos para o futebol com uma fome impressionante e passamos o jogo todo a pensar nos siris que comeríamos ao sair do Maracanã.
Então — não sei se você se lembra — saímos dali como dois monges tibetanos a caminho da redenção e chegamos no tal botequim. Então — não sei se você se lembra — que a gente chegou e o homem do botequim disse que o siri já tinha acabado.”
(Stanislaw Ponte Preta, o Sérgio Porto, em “Não sei se você se lembra”)
28.2.11
A seguir
Passou tão rápido. O que? O ano-novo. Ela nao sabia contar , mas sabia inventar. Oras, tem molho de tomate na geladeira. E se você nao percebe quem esta naquela janela, atras das cortinas manchadas de sangue(?).Ora, se você nao percebe. Quem será eu (?). Nao perca a tragetoria de um profissional que desafiou o próprio destino que poderia ter sido. Quinta: as oito da noite.
23.2.11
7.2.11
Kafka
"Ah", disse o rato, "o mundo torna-se cada vez mais estreito. A princípio era tão vasto que me dava medo, eu continuava correndo e me sentia feliz com o fato de que finalmente via à distância, à direita e à esquerda, as paredes, mas essas longas paredes convergem tão depressa uma para a outra, que já estou no último quarto e lá no canto fica a ratoeira para a qual eu corro". - "Você precisa mudar de direção", disse o gato, e devorou-o."
4.1.11
Maresia em janeiro
Esqueletestoscópios atléticos de beira de praia em dia de sol. A vida é crua, nua e tostada para alguns. Não há no mar um sustento para a alegria. Tudo nos permite mais. Eu pensei muito em algo que disse antes de ontem para minha consciência arbitrária: (não posso esclarecer aqui). Mas a luta diária dessa coisa marginal que nos devora é inevitável! Seria simples demais e, nesse caso, a simplicidade não me atrai. Embora seja em mim essa a busca eterna. Por um momento, eu tento, mas temo. Ai de mim se e fosse o que deveria ser. Só que eu sofro de enxaquecas e ainda não me curei. Vou mergulhar a noite porque me dá mais prazer.
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