26.12.10
Ferias no peito apaixonado
Os traços do desejo, os traços nao sao os mesmos. Eu tento ser forte todos os dias. Entretanto nao queria nao queria. Nao quero ver a alma lavada no esgoto rondado por massas de gordura imoveis no meio de tudo, nao devo. Me sinto solitaria por querer paz e infanica, me sinto solitaria por querer paz e infancia me sinto solitaria por querer paz e infancia ao invés de dinheiro dinheiro e estupidez. Ninguem sabe nada sobre o Outro. Amor nao existe! Mas eu temo acreditar nisso.
15.12.10
Rei é meu coração
Espera o dia com ansiedade de cão. Como uma vagabunda mal criada atirada na esquina, espera. Nas ruas os homens com jeito de rei. Ela tentava se levantar daquele vão. Olha para os lados e tem plena consciencia da situaçao que se fez a ela vida. Não há chance de sobreviver quando se espera velocidade na contramão. Ninguem sabe o que acontecia com aquele corpo tonto que o vestido cobria no domingo matinal após a missa de sétimo dia de nascimento da vitória à solidao. A menina cruzou as pernas deixando a saia subir provocantemente propositalmente. Isso também serve como protesto aos bundões que metem a mao no bolso quando bem entendem. Carmem olha fitamente o sol envergonhado daquela manhã dominical: meu coraçao agora faca outrora sofre descalço a vergonha de ser. Beijos, meu irmão. Judas na proxima encarnaçao.
Juana Dobro
Juana Dobro
1.12.10
Modelo Panoramico
Ela ficava sempre ali sentada na ponta do balcão como se esperasse algum tipo de atitude, mas tudo lhe era dado como espera. Sem dúvida a noite facilita algumas coisas. Tem dias que, como um cachorro quando se assusta com a chuva noturna, ela temia a meia noite. E no infinito só via a beleza que se ocultava nos olhos alheios aos seus. Era outono aquele tempo e não se via mar onde ela morava. A cama desarrumada descascava nos pés a madeira envelhecida. Tanto quanto quem nela se deitava: que se era jovem nos anos mas velha nas feridas. Por isso de sua aparência rugosa e hostil. Se dizia feliz naquela época em que sentava entre a janela florida e a penteadeira de mogno na qual preferia não encostar (era costume nao tirar o brilho do lustro). Já tinha passado das 17:00 hrs e percebeu que chorava diante do filme meloso que se soubesse não o teria visto. Ninguém deveria suportar os clichês da vida adulta. Rá! Risos são indispensáveis. E aí nesse ponto ela sempre toma a sabia decisão mesma de sempre: partir, com um ou dois soluços apenas.
Juana Dobro
Juana Dobro
23.10.10
A Ferida
“Esta noite… esta chuva… estas reticências. Sei lá.
Quem seria capaz de abrir o peito e mostrar a ferida? De dizer o nome? De lembrar, sequer lembrar, o rosto?
Quem seria capaz de contar a história? De chamar o maior amigo, ou melhor, o inimigo, e dizer:
— Estou me sentindo assim, assim, assim…
A humanidade está necessitando, urgentemente, de afeto e milagre. Mas não sabe onde estão as mãos, nem os deuses. E, quando souber, vai achar que as mãos e os deuses são de mentira. Os olhos de todos estarão cheios de medo, os olhos das jovens raparigas, os olhos, os braços, o ventre e as pernas das jovens raparigas, receosos de pagar com os quefazeres do sexo.
Nesta noite, com esta chuva, as jovens raparigas não são importantes. Apenas uma tem importância. Mas quem seria de todo livre e descuidado, a ponto de dizer o seu nome? De pensar o seu nome? Você diria em público o nome da Amada? E suportaria ouvi-lo? Não, não; o nome dela, em sua boca ou na dos outros, é tão proibido como sua nudez (dela). Não há diferença.
E por que você não se transforma no homem banal, que se encharca de álcool, para apregoar a desdita? Seria mais fácil. Talvez alguém lhe chamasse de porco e você revidasse com um soco no rosto, um só rosto, de todo o Gênero Humano. Viria a polícia, que simplifica tudo, generalizando. E tudo se transformaria em notícia: “Preso o alcoólatra, quando injuriava e agredia a Família Brasileira, na pessoa de um sócio do Country”.
Há poucos minutos, em meu quarto, na mais completa escuridão, a carência era tanta que tive de escolher entre morrer e escrever estas coisas. Qualquer das escolhas seria desprezível. Preferi esta (escrever), uma opção igualmente piegas, igualmente pífia e sentimental, menos espalhafatosa, porém. A morte, mesmo em combate, é burlesca.
Uma pergunta, que não tem nada a ver com o corpo desta canção. Quem saberia discriminar o ódio do amor? Ninguém. Os psicologistas e analistas têm perdido um tempo enorme.
Ontem à noite, voltando para casa, senti-me espectador de mim mesmo. E confesso que, pela primeira vez, não achei a menor graça. Saíra, pela primeira vez, de óculos e o porteiro do edifício me recebeu com esta agradável pergunta:
— Que é que houve? O senhor está mais velho?
Tirei os óculos e, fitando-o, esperei as desculpas. Mas o homem continuou:
— O que é que houve? De ontem para cá, o senhor envelheceu.
Tinha pensado que, sem os óculos…
Não estou escrevendo para ninguém gostar ou, ao menos, entender. Estou escrevendo, simplesmente, e isto me supre: contrabalança, quando nada. Esta noite, esta chuva — e poderia escrever as coisas mais alegres, esta noite. Neruda, coitado, as mais tristes.
Só há uma vantagem na solidão: poder ir ao banheiro com a porta aberta. Mas isto é muito pouco, para quem não tem sequer a coragem de abrir a camisa e mostrar a ferida.
(Antonio Maria, em “Com vocês Antônio Maria”).
Quem seria capaz de abrir o peito e mostrar a ferida? De dizer o nome? De lembrar, sequer lembrar, o rosto?
Quem seria capaz de contar a história? De chamar o maior amigo, ou melhor, o inimigo, e dizer:
— Estou me sentindo assim, assim, assim…
A humanidade está necessitando, urgentemente, de afeto e milagre. Mas não sabe onde estão as mãos, nem os deuses. E, quando souber, vai achar que as mãos e os deuses são de mentira. Os olhos de todos estarão cheios de medo, os olhos das jovens raparigas, os olhos, os braços, o ventre e as pernas das jovens raparigas, receosos de pagar com os quefazeres do sexo.
Nesta noite, com esta chuva, as jovens raparigas não são importantes. Apenas uma tem importância. Mas quem seria de todo livre e descuidado, a ponto de dizer o seu nome? De pensar o seu nome? Você diria em público o nome da Amada? E suportaria ouvi-lo? Não, não; o nome dela, em sua boca ou na dos outros, é tão proibido como sua nudez (dela). Não há diferença.
E por que você não se transforma no homem banal, que se encharca de álcool, para apregoar a desdita? Seria mais fácil. Talvez alguém lhe chamasse de porco e você revidasse com um soco no rosto, um só rosto, de todo o Gênero Humano. Viria a polícia, que simplifica tudo, generalizando. E tudo se transformaria em notícia: “Preso o alcoólatra, quando injuriava e agredia a Família Brasileira, na pessoa de um sócio do Country”.
Há poucos minutos, em meu quarto, na mais completa escuridão, a carência era tanta que tive de escolher entre morrer e escrever estas coisas. Qualquer das escolhas seria desprezível. Preferi esta (escrever), uma opção igualmente piegas, igualmente pífia e sentimental, menos espalhafatosa, porém. A morte, mesmo em combate, é burlesca.
Uma pergunta, que não tem nada a ver com o corpo desta canção. Quem saberia discriminar o ódio do amor? Ninguém. Os psicologistas e analistas têm perdido um tempo enorme.
Ontem à noite, voltando para casa, senti-me espectador de mim mesmo. E confesso que, pela primeira vez, não achei a menor graça. Saíra, pela primeira vez, de óculos e o porteiro do edifício me recebeu com esta agradável pergunta:
— Que é que houve? O senhor está mais velho?
Tirei os óculos e, fitando-o, esperei as desculpas. Mas o homem continuou:
— O que é que houve? De ontem para cá, o senhor envelheceu.
Tinha pensado que, sem os óculos…
Não estou escrevendo para ninguém gostar ou, ao menos, entender. Estou escrevendo, simplesmente, e isto me supre: contrabalança, quando nada. Esta noite, esta chuva — e poderia escrever as coisas mais alegres, esta noite. Neruda, coitado, as mais tristes.
Só há uma vantagem na solidão: poder ir ao banheiro com a porta aberta. Mas isto é muito pouco, para quem não tem sequer a coragem de abrir a camisa e mostrar a ferida.
(Antonio Maria, em “Com vocês Antônio Maria”).
20.10.10
18.10.10
POEma
Só
Não fui, na infância, como os outros
e nunca vi como outros viam.
Minhas paixões eu não podia
tirar de fonte igual à deles;
e era outra a origem da tristeza,
e era outro o canto, que acordava
o coração para a alegria.
Tudo o que amei, amei sozinho.
Assim, na minha infância, na alba
da tormentosa vida, ergueu-se,
no bem, no mal, de cada abismo,
a encadear-me, o meu mistério.
Veio dos rios, veio da fonte,
da rubra escarpa da montanha,
do sol, que todo me envolvia
em outonais clarões dourados;
e dos relâmpagos vermelhos
que o céu inteiro incendiavam;
e do trovão, da tempestade,
daquela nuvem que se alteava,
só, no amplo azul do céu puríssimo,
como um demônio, ante meus olhos.
Edgar Allan Poe (Tradução de Oscar Mendes)
Não fui, na infância, como os outros
e nunca vi como outros viam.
Minhas paixões eu não podia
tirar de fonte igual à deles;
e era outra a origem da tristeza,
e era outro o canto, que acordava
o coração para a alegria.
Tudo o que amei, amei sozinho.
Assim, na minha infância, na alba
da tormentosa vida, ergueu-se,
no bem, no mal, de cada abismo,
a encadear-me, o meu mistério.
Veio dos rios, veio da fonte,
da rubra escarpa da montanha,
do sol, que todo me envolvia
em outonais clarões dourados;
e dos relâmpagos vermelhos
que o céu inteiro incendiavam;
e do trovão, da tempestade,
daquela nuvem que se alteava,
só, no amplo azul do céu puríssimo,
como um demônio, ante meus olhos.
Edgar Allan Poe (Tradução de Oscar Mendes)
7.10.10
Soberania
Manoel de Barros
Naquele dia, no meio do jantar, eu contei que tentara pegar na bunda do vento — mas o rabo do vento escorregava muito e eu não consegui pegar. Eu teria sete anos. A mãe fez um sorriso carinhoso para mim e não disse nada. Meus irmãos deram gaitadas me gozando. O pai ficou preocupado e disse que eu tivera um vareio da imaginação. Mas que esses vareios acabariam com os estudos. E me mandou estudar em livros. Eu vim. E logo li alguns tomos havidos na biblioteca do Colégio. E dei de estudar pra frente. Aprendi a teoria das idéias e da razão pura. Especulei filósofos e até cheguei aos eruditos. Aos homens de grande saber. Achei que os eruditos nas suas altas abstrações se esqueciam das coisas simples da terra. Foi aí que encontrei Einstein (ele mesmo — o Alberto Einstein). Que me ensinou esta frase: A imaginação é mais importante do que o saber. Fiquei alcandorado! E fiz uma brincadeira. Botei um pouco de inocência na erudição. Deu certo. Meu olho começou a ver de novo as pobres coisas do chão mijadas de orvalho. E vi as borboletas. E meditei sobre as borboletas. Vi que elas dominam o mais leve sem precisar de ter motor nenhum no corpo. (Essa engenharia de Deus!) E vi que elas podem pousar nas flores e nas pedras sem magoar as
próprias asas. E vi que o homem não tem soberania nem pra ser um bentevi.
Naquele dia, no meio do jantar, eu contei que tentara pegar na bunda do vento — mas o rabo do vento escorregava muito e eu não consegui pegar. Eu teria sete anos. A mãe fez um sorriso carinhoso para mim e não disse nada. Meus irmãos deram gaitadas me gozando. O pai ficou preocupado e disse que eu tivera um vareio da imaginação. Mas que esses vareios acabariam com os estudos. E me mandou estudar em livros. Eu vim. E logo li alguns tomos havidos na biblioteca do Colégio. E dei de estudar pra frente. Aprendi a teoria das idéias e da razão pura. Especulei filósofos e até cheguei aos eruditos. Aos homens de grande saber. Achei que os eruditos nas suas altas abstrações se esqueciam das coisas simples da terra. Foi aí que encontrei Einstein (ele mesmo — o Alberto Einstein). Que me ensinou esta frase: A imaginação é mais importante do que o saber. Fiquei alcandorado! E fiz uma brincadeira. Botei um pouco de inocência na erudição. Deu certo. Meu olho começou a ver de novo as pobres coisas do chão mijadas de orvalho. E vi as borboletas. E meditei sobre as borboletas. Vi que elas dominam o mais leve sem precisar de ter motor nenhum no corpo. (Essa engenharia de Deus!) E vi que elas podem pousar nas flores e nas pedras sem magoar as
próprias asas. E vi que o homem não tem soberania nem pra ser um bentevi.
2.10.10
O amor e a mídia
“Uma das maiores realizações que se espera da vida é a paixão, um encontro amoroso intenso, pleno. O problema é que não temos segurança dele. Quanto mais me apaixono, maior o risco de me iludir. A paixão — do grego pathos, que designa a situação em que sou passivo (em oposição à ação) e minha razão fica inibida — não é boa juíza de caráter ou de relações. O encontro emocional intenso pode dar errado. Sua base pode ser frágil. Por isso, parece necessário cada pessoa construir o sentido de sua vida (seu ‘eixo’) sozinha, e balizar a relação com o outro por essa prévia definição pessoal. (…) A mídia fala muito em paixão e pouco em amor. O amor sempre aparece como algo menor que a paixão. O coração não dispara. Parece coisa de velho. Não assitimos a histórias de amor, só de paixão. Talvez esteja na hora de começarmos a contar histórias de amor, não só de enganos. Aprendemos a viver escutando narrativas. É hora de pensar que ‘foram felizes para sempre’ só é possível com o amor, não com o fulgor passional.”
Renato Janine Ribeiro, “A insuportável liberdade do amor”
Renato Janine Ribeiro, “A insuportável liberdade do amor”
Fragmentos sobre a vida
“- Sinto que minha vida diária não tem importância, que eu deveria estar fazendo algo diferente. Por quê?
- Quando estiver comendo, coma. Quando sair para um passeio, ande. Não diga “eu deveria estar fazendo algo diferente”. Quando estiver lendo, dê a isso a sua atenção completa, seja um romance policial, uma revista, a Bíblia, seja o que for. Atenção completa é atenção completa e, portanto, não há essa de “eu deveria estar fazendo algo diferente”. Só quando estamos desatentos é que surge o sentimento de “pelo amor de Deus, eu tenho de fazer alguma coisa melhor”. Se dá atenção completa quando está comendo, isso é ação. O importante não é o que fazemos, mas se podemos dar a isso total atenção. Por atenção, não quero dizer algo que aprendemos através de concentração na escola ou na empresa, mas observar com nosso corpo, nossos nervos, nossa visão, nossos ouvidos, nossa mente, nosso coração _inteiramente. Se fizermos isso, haverá uma mudança enorme em nossa vida. Algo exigirá toda nossa energia, vitalidade, atenção. A vida exige essa atenção a todo minuto, mas fomos tão treinados em desatenção que procuramos sempre escapar da atenção para a desatenção. Dizemos “como é que vou observar? Eu sou preguiçoso”. Seja preguiçoso, mas totalmente atento à preguiça. Seja totalmente atento à desatenção. Saiba que está totalmente desatento. E quando souber que está inteiramente atento à desatenção, estará atento.”
Trecho do livro “A Humanidade Pode Mudar?”, do pensador indiano Jiddu Krishnamurti (1895-1986).
- Quando estiver comendo, coma. Quando sair para um passeio, ande. Não diga “eu deveria estar fazendo algo diferente”. Quando estiver lendo, dê a isso a sua atenção completa, seja um romance policial, uma revista, a Bíblia, seja o que for. Atenção completa é atenção completa e, portanto, não há essa de “eu deveria estar fazendo algo diferente”. Só quando estamos desatentos é que surge o sentimento de “pelo amor de Deus, eu tenho de fazer alguma coisa melhor”. Se dá atenção completa quando está comendo, isso é ação. O importante não é o que fazemos, mas se podemos dar a isso total atenção. Por atenção, não quero dizer algo que aprendemos através de concentração na escola ou na empresa, mas observar com nosso corpo, nossos nervos, nossa visão, nossos ouvidos, nossa mente, nosso coração _inteiramente. Se fizermos isso, haverá uma mudança enorme em nossa vida. Algo exigirá toda nossa energia, vitalidade, atenção. A vida exige essa atenção a todo minuto, mas fomos tão treinados em desatenção que procuramos sempre escapar da atenção para a desatenção. Dizemos “como é que vou observar? Eu sou preguiçoso”. Seja preguiçoso, mas totalmente atento à preguiça. Seja totalmente atento à desatenção. Saiba que está totalmente desatento. E quando souber que está inteiramente atento à desatenção, estará atento.”
Trecho do livro “A Humanidade Pode Mudar?”, do pensador indiano Jiddu Krishnamurti (1895-1986).
29.9.10
circuitos
“Um homem apaixonado pelo céu andava o tempo todo de rosto para cima, a contemplar as mutáveis configurações das nuvens e o brilho distante das estrelas.
Nesse embevecimento, não viu uma trave contra a qual topou violentamente com a testa. Um amigo zombou da sua distração,dizendo que quem só quer ver estrelas acaba vendo as estrelas que não quer.
Espírito previdente, esse amigo vivia de olhos postos no chão, atento a cada acidente do caminho. Por isso não pôde ter sequer um vislumbre da maravilhosa fulguração do meteoro que um dia lhe esmagou a cabeça.”
(José Paulo Paes, “Altos e Baixos”)
Nesse embevecimento, não viu uma trave contra a qual topou violentamente com a testa. Um amigo zombou da sua distração,dizendo que quem só quer ver estrelas acaba vendo as estrelas que não quer.
Espírito previdente, esse amigo vivia de olhos postos no chão, atento a cada acidente do caminho. Por isso não pôde ter sequer um vislumbre da maravilhosa fulguração do meteoro que um dia lhe esmagou a cabeça.”
(José Paulo Paes, “Altos e Baixos”)
Li isso hoje... adorei!!! Viva Millor!!!
“Há muito tempo me desinteressei pelo futebol. Foi quando comecei a ver aqueles latagões, ganhando fortunas e tratados como odaliscas, não conseguirem dar um passe certo no meio do campo — sem qualquer pressão do adversário. Como artista plástico, tratado daquele jeito, eu morreria de vergonha se não pintasse uma capela Sistina por semana.” (Millôr Fernandes, 1984)
28.9.10
Entao: pergunte ao pó?
“Histéricos, nus e famintos
tragados pelas ruas negras da madrugada a procura
de um pico raivoso,
Hipsters angelicais queimando-se pela primitiva ligação celestial
Nos dínamos chocantes das engrenagens da noite,
Miseráveis e esfarrapados com olhos sagrados nas alturas do fumo
Na escuridão do topo das cidades contemplando jazz...”
tragados pelas ruas negras da madrugada a procura
de um pico raivoso,
Hipsters angelicais queimando-se pela primitiva ligação celestial
Nos dínamos chocantes das engrenagens da noite,
Miseráveis e esfarrapados com olhos sagrados nas alturas do fumo
Na escuridão do topo das cidades contemplando jazz...”
27.9.10
C. F. A. - Natureza Viva
Como você sabe, dirás feito um cego tateando, e dizer assim, supondo um conhecimento, faria quem sabe o coração do outro adoçar um pouco até prosseguires, mas sem planejar, embora planejes há tanto tempo, farás coisas como acender o abajur do canto depois apagar a luz mais forte, criando um clima assim mais íntimo, mais acolhedor, que não haja tensão alguma no ar, mesmo que previamente saibas do inevitável das palmas molhadas de tuas mãos, do excesso de cigarros e qualquer coisa como um leve tremor que, esperas, não transparecerá em tua voz. Mas dirás assim, por exemplo, como você sabe, sim como você sabe, a gente, as pessoas, infelizmente têm, temos, essa coisa, emoções, mas te deténs, infelizmente? o outro talvez perguntaria por que infelizmente? então dirás rápido, para não desviar-te demasiado do que estabeleceste, qualquer coisa como seria tão bom se pudéssemos nos relacionar sem que nenhum dos dois esperasse absolutamente nada, mas infelizmente, insistirás, infelizmente nós, a gente, as pessoas, têm, temos - emoções. Meditarias: as pessoas falam coisas, e por trás do que falam há o que sentem, e por trás do que sentem há o que são e nem sempre se mostra. Há os níveis-não-formulados, camadas imperceptíveis, fantasias que nem sempre controlamos, expectativas que quase nunca se cumprem, e sobretudo emoções. Que nem se mostra. Por tudo isso, infelizmente, repetirás, insistirás, completamente desesperado, e teu único apoio seria a mão estendida que, passo a passo, raciocinas com penosa lucidez, através de cada palavra estarás quem sabe afastando para sempre. Mas já não sou capaz de me calar, talvez dirás então, descontrolado, e um pouco mais dramático, porque meu silêncio já não é uma omissão, mas uma mentira. O outro te olhará com seus olhos vazios, não entendendo que teu ritmo acompanharia o desenrolar de uma paisagem interna, absolutamente não-verbalizável, desenhada traço a traço em cada minuto dos vários dias e tantas noites de todos aqueles meses anteriores, recuando até a data, maldita ou bendita, ainda não ousaste definir, em que pela primeira vez o círculo magnético da existência de um, por acaso banal ou pura magia, interceptou o círculo do outro.No silêncio que se faria, pensas, precisarás fazer alguma coisa, como colocar um disco ou ensaiar um gesto, mas talvez não faças nada, porque ele continuará te olhando com seus olhos vazios, no fundo dos quais procuras, mergulhador submarino, o indício mínimo de um tesouro escondido para que possas voltar à tona com um sorriso nos lábios e as mãos repletas de pedras preciosas. Mas nesse silêncio que certamente se fará, talvez acendas mais um cigarro, e com a seca boca cerrada, sem nenhum sorriso, evitarias o mergulho para não correres o risco de encontrar uma fera adormecida...
- CAIO F.
- CAIO F.
24.9.10
Contra, dizendo Crumb!
Difícil trazer algo novo quando tanta coisa já foi dita e redita sobre a passagem do Crumb pelo Brasil. O que se pode diferenciar é o olhar de cada um. Muitos jornalistas e muitas pessoas que passaram pela Flip este ano o fizeram pelo interesse irreverente na obra de Robert Crumb. Quando eu soube da confirmação dele fiquei histérica na busca de uma forma de chegar à Parati. Ônibus, carro, avião, dinheiro, trabalho, filha, pousada, tempo, espaço. Nada que a força de vontade não supere. Muitas vezes já me senti uma mulher crumbiana (fortinha). E é nessa ótica feminina que eu sempre fui fã das obras desse quadrinista. Sabe aqueles sentimentos que as mães têm quando vão ver um show do Roberto Carlos no ginásio de esportes da cidade?! Assim eu fico quando leio o Crumb. Enquanto Roberto Carlos enxerga o coração dessas mães, Crumb também fala, ao seu modo, à auto-estima feminina.Sou um pouco suspeita para comentar a respeito, mas tudo bem, pois se a noite de amores é inevitável, então o negócio é relaxar e gozar! Confesso que nunca fui uma fã de carteirinha dele, até bem pouco tempo. Meus amigos sempre comentavam e diziam que eu era tão perfeita fisicamente que só mesmo o Crumb podia ter me desenhado! Hahaha..., todo escritor aumenta um pouquinho o enredo. No entanto, só fui começar a entender seus livros de verdade quando vi o documentário sobre sua vida. É incrível como um sujeito que tinha tudo para dar errado, conseguiu se sair tão bem na vida! Vai lá, o cara é extravagante e meio estrela também, mas eu dou razão para ele! É um tanto chato ser rodeado de pessoas e jornalistas de chocadeira que sequer o conhecem como sua obra exige. Ademais, é sempre bom lembrarmos que - bem ou mal - a obra é uma extensão do artista, ainda que Barthes contradiga essa máxima.No século XIX, Honoree de Balzac exaltava a mulher de trinta, dando origem ao termo "balzaquiana", que em resumo mostra que a mulher chegou no seu auge; da obra de Crumb nasceu também um padrão de beleza: a mulher crumbiana! Esta, uma mulher forte, decidida e com a qual machinho nenhum vem "se meter à besta". A antítese às figurinhas macabras que povoam o Fantástico Mundinho da moda e às bonequinhas presentes na tevê e no cinema. A mulher crumbiana é tudo o que toda mulher que se ama sonha em ser! Aliás, imagina só que foi ele quem fez a capa para o disco "Cheap Thrills" da Janis Joplin! Tudo bem que ela não passou dos 27, mas o que vale, além de sua voz para sempre calçada no coração da humanidade, é a forma carinhosa como Crumb a retratou. Que honra maior uma mulher poderia querer?!
Pessoalmente, ainda sinto que meus amigos exageravam quando me chamavam de crumbiana, até porque sou uma simples mortal, jornalista e mãe de família, apaixonada por tudo o que faço. Mas o fato me fez conhecer e admirar esse autor a ponto de me tornar uma ávida apreciadora de seu trabalho. Tive o prazer de vê-lo na última FLIP e acreditem, ele foi um legítimo cavalheiro. No entanto, até onde eu pude perceber, a imprensa preferiu cutucar a onça com vara curta, criticaram sua postura e deixaram a desejar nas entrevistas. Eles já sabiam que ele era antissocial e sequer souberam respeitar isso, afinal misantropos e sopas são coisas muito semalhantes: comem-se pelas beiradas! Em tudo quanto é canto a gente lê que ele tratou os repórteres com frieza e esculhambou os fotógrafos até não poder mais. Agora convenhamos, o cara se enfiou em um remoto cantinho lá na França para justamente se manter longe de todo esse frenesi. Não quero criticar os jornalistas (estaria dando um tiro no próprio pé), mas é um fato consumado que o sistema os imbeciliza e acaba com profissionais que poderiam fazer muito mais do que supõe-se sua vã formação. É sempre bom lembrar que o Crumb vem de uma geração de idealistas e sempre será lembrado como um ícone da contracultura. Está certo que hoje o cara é um idealista frustrado, mas ainda assim, continua sendo um artista ímpar. Outra coisa interessante foi ver que em determinados momentos, quando perguntado sobre o que achava de determinado novo talento, ele sempre respondia que nem sabia quem era, e boa parte da imprensa usava isso como munição para achincalhá-lo. Ora bolas, ele estava no seu direito! Afinal, ele é o Crumb!Enfim lá estava eu sentada diante dele, sua mulher Aline Kominski (legitima personagem), o não menos talentoso Gilbert “Freak” Shelton e sua esposa Lora Fountain. Mandei a ver com minhas perguntinhas que renderam algumas matérias por aí. Lá vai:
Logo de inicio quando lhe perguntaram sobre sua opinião acerca do trabalho da nova geração de quadrinistas como o de Dash Shaw, ele responde que não conhece. Gilbert também. Aline justificou o fato com a ausência deles a esse mundo midiático. Quando foi questionado por retratar a América ele comentou duramente que o rosto da América hoje é “ugly, very ugly”, porque se tornou um estado fascista, e por mais que algum grande estadista queira ou tente mudar isso, as forças destrutivas são muito maiores. Depois explica qual é a relação da sua vida pessoal com o Genesis: “nenhuma”. Ele só tentou retratar a história de uma forma mais cômica. Disse que gosta dos mitos, da riqueza dessas histórias, de Sodoma e Gomorra, dos mistérios antigos. Ao lhe perguntar sobre a cantora Aracy Cortes e a escolha dela para fazer parte da coletânea composta por Crumb, intitulada “Hot Woman”, o escritor citou sua paixão pelos discos de 78 rotações e ainda acrescentou: “se alguém tiver algum disco para vender, eu compro”. No restante da entrevista eles mantiveram a pose o e caráter característicos, proporcionando risadas e muita franqueza e objetividade. “É bizarro participar da Flip”, comentou Crumb, “Não quero ser levado a sério”, conclui. “Eu não conheço nenhum jovem”, respondeu Shelton quando questionado sobre a nova juventude e as influências massivas da mídia. “Mercado competitivo? Você deve estar zoando...”, disse ironicamente Crumb depois de ser interrogado pelo mediador, o jornalista Sérgio Dávila. Drogas, barbas, folk music, mulheres... Alguém sempre acabava caindo nessas questões com os dois que respondiam quase caricaturadamente com feições e gestos engraçados. Além de todo essa papo, Crumb citou muito sua família. Sua filha, também desenhista, e seu neto. Todos, hoje, morando na França. “Voltar para os EUA? Eu não! Tenho vergonha de ser americano. Tenho vergonha até de morar no planeta. Nós estamos todos encrencados”. E para completar, já que a festa era literária, eles não gostam de ficção, estão tentando ler os clássicos e admiram livros de jornalismo investigativo. No final do bate papo eles elogiaram a cidade de Paraty e confessaram que só vieram para o Brasil porque suas esposas os convenceram. Adoraram nosso guaraná! Interessante. “Só não se esqueçam, eu sou um artista do século XIX”. “Draw or die”.
Juana Dobro
Pessoalmente, ainda sinto que meus amigos exageravam quando me chamavam de crumbiana, até porque sou uma simples mortal, jornalista e mãe de família, apaixonada por tudo o que faço. Mas o fato me fez conhecer e admirar esse autor a ponto de me tornar uma ávida apreciadora de seu trabalho. Tive o prazer de vê-lo na última FLIP e acreditem, ele foi um legítimo cavalheiro. No entanto, até onde eu pude perceber, a imprensa preferiu cutucar a onça com vara curta, criticaram sua postura e deixaram a desejar nas entrevistas. Eles já sabiam que ele era antissocial e sequer souberam respeitar isso, afinal misantropos e sopas são coisas muito semalhantes: comem-se pelas beiradas! Em tudo quanto é canto a gente lê que ele tratou os repórteres com frieza e esculhambou os fotógrafos até não poder mais. Agora convenhamos, o cara se enfiou em um remoto cantinho lá na França para justamente se manter longe de todo esse frenesi. Não quero criticar os jornalistas (estaria dando um tiro no próprio pé), mas é um fato consumado que o sistema os imbeciliza e acaba com profissionais que poderiam fazer muito mais do que supõe-se sua vã formação. É sempre bom lembrar que o Crumb vem de uma geração de idealistas e sempre será lembrado como um ícone da contracultura. Está certo que hoje o cara é um idealista frustrado, mas ainda assim, continua sendo um artista ímpar. Outra coisa interessante foi ver que em determinados momentos, quando perguntado sobre o que achava de determinado novo talento, ele sempre respondia que nem sabia quem era, e boa parte da imprensa usava isso como munição para achincalhá-lo. Ora bolas, ele estava no seu direito! Afinal, ele é o Crumb!Enfim lá estava eu sentada diante dele, sua mulher Aline Kominski (legitima personagem), o não menos talentoso Gilbert “Freak” Shelton e sua esposa Lora Fountain. Mandei a ver com minhas perguntinhas que renderam algumas matérias por aí. Lá vai:
Logo de inicio quando lhe perguntaram sobre sua opinião acerca do trabalho da nova geração de quadrinistas como o de Dash Shaw, ele responde que não conhece. Gilbert também. Aline justificou o fato com a ausência deles a esse mundo midiático. Quando foi questionado por retratar a América ele comentou duramente que o rosto da América hoje é “ugly, very ugly”, porque se tornou um estado fascista, e por mais que algum grande estadista queira ou tente mudar isso, as forças destrutivas são muito maiores. Depois explica qual é a relação da sua vida pessoal com o Genesis: “nenhuma”. Ele só tentou retratar a história de uma forma mais cômica. Disse que gosta dos mitos, da riqueza dessas histórias, de Sodoma e Gomorra, dos mistérios antigos. Ao lhe perguntar sobre a cantora Aracy Cortes e a escolha dela para fazer parte da coletânea composta por Crumb, intitulada “Hot Woman”, o escritor citou sua paixão pelos discos de 78 rotações e ainda acrescentou: “se alguém tiver algum disco para vender, eu compro”. No restante da entrevista eles mantiveram a pose o e caráter característicos, proporcionando risadas e muita franqueza e objetividade. “É bizarro participar da Flip”, comentou Crumb, “Não quero ser levado a sério”, conclui. “Eu não conheço nenhum jovem”, respondeu Shelton quando questionado sobre a nova juventude e as influências massivas da mídia. “Mercado competitivo? Você deve estar zoando...”, disse ironicamente Crumb depois de ser interrogado pelo mediador, o jornalista Sérgio Dávila. Drogas, barbas, folk music, mulheres... Alguém sempre acabava caindo nessas questões com os dois que respondiam quase caricaturadamente com feições e gestos engraçados. Além de todo essa papo, Crumb citou muito sua família. Sua filha, também desenhista, e seu neto. Todos, hoje, morando na França. “Voltar para os EUA? Eu não! Tenho vergonha de ser americano. Tenho vergonha até de morar no planeta. Nós estamos todos encrencados”. E para completar, já que a festa era literária, eles não gostam de ficção, estão tentando ler os clássicos e admiram livros de jornalismo investigativo. No final do bate papo eles elogiaram a cidade de Paraty e confessaram que só vieram para o Brasil porque suas esposas os convenceram. Adoraram nosso guaraná! Interessante. “Só não se esqueçam, eu sou um artista do século XIX”. “Draw or die”.
Juana Dobro
12.9.10
São duas horas da madrugada de um dia assim
No meio da multidão. O riso afogava o grito do suicidio agudissimo na sua face. "Eu nao quero isso!" Essa dor fixada como um calo na minha alma. Essa dor está sempre ali. Ora Bebo, ora danço, ora amo, ora choro. Oras, essa dor nao se esgota em mim. Os desejos oscilam: entre zero e mil. Kilometros por hora. Aí caio na angustia dessa arma sem esporas. Devo pedir a Deus que me permita lhe conhecer? Devo aceitar esse destino tao belo como um conto de fadas daqueles que se contam para a criança ninar? Não sei se a alegria faz parte de mim fora do dia-a-dia. Se eu sou uma pessoa amarga. Se eu sou uma pessoa contente. Prepotente. Feliz ou infeliz. Não convém jamais julgar o que não podemos julgar, amém. Sabe o que é o amor pra mim? É a novidade, a invençao, o inexplicável. O acaso. A supresa que liga o momento lúcido à fantástica ilusão. Eia coisa (...), embora eu queira nao sei de nada mais. Estou rouca. Acho que o tempo passou para mim. Ninguém pôde me enxergar. Espero que você entenda e nunca desista. Minha carcaça não é bondade, embora a verdade sempre mentirá para você. Entretanto, em mim o sentimento é pleno. Venha, venha. Só reconheça o perigo de um universo em chamas. Não convém jamais julgar o que nao podemos julgar, amém.
Juana Dobro
Juana Dobro
1.9.10
Se há tempo para descansar
“Nunca é tarde para começar”. É cedo para começar? É tarde para terminar. É tarde para ser cedo demais, espera. O tempo tão efêmero cronologicamente o fizemos seres condicionados a ele. Tudo é sempre uma questão de perspectiva. Quando era jovem, embora ainda o seja, pensava que já o era e que quando estivesse hoje não o mais seria. Não dá para questionar essas coisas. Sei de Cora, sei de Hilda, sei de tantos compositores de tempos binários, trinários e quaternários. Sei que há tempos que me escravizei por ti, passado, presente, futuro.
Se sorrisos me caracterizam hoje, esse eterno hoje sempre será.
Nunca é tarde para acabar. Espera-se, passa. Então devo amar?
Não me mato pelo tempo que me afasta da juventude, ele cria em mim algo menos temporário e mais eterno que luzes agudas na veia. Sei que ainda lembro de seus desejos escuros. Mas quero outros desejos que me contemplem o bem estar. Pois se há tempo que ele seja curto quanto o vento e longo no sofá.
Depois de tudo me fiz mãe e o tempo nunca mais me consumirá.
Juana Dobro
Se sorrisos me caracterizam hoje, esse eterno hoje sempre será.
Nunca é tarde para acabar. Espera-se, passa. Então devo amar?
Não me mato pelo tempo que me afasta da juventude, ele cria em mim algo menos temporário e mais eterno que luzes agudas na veia. Sei que ainda lembro de seus desejos escuros. Mas quero outros desejos que me contemplem o bem estar. Pois se há tempo que ele seja curto quanto o vento e longo no sofá.
Depois de tudo me fiz mãe e o tempo nunca mais me consumirá.
Juana Dobro
27.8.10
Embriaguem-se
É preciso estar sempre embriagado. Aí está: eis a única questão. Para não sentirem o fardo horrível do Tempo que verga e inclina para a terra, é preciso que se embriaguem sem descanso.
Com quê? Com vinho, poesia ou virtude, a escolher. Mas embriaguem-se.
E se, porventura, nos degraus de um palácio, sobre a relva verde de um fosso, na solidão morna do quarto, a embriaguez diminuir ou desaparecer quando você acordar, pergunte ao vento, à vega, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo que flui, a tudo que geme, a tudo que gira, a tudo que canta, a tudo que fala, pergunte que horas são; e o vento, a vaga, a estrela, o pássaro, o relógio responderão: “É hora de embriagar-se! Para não serem os escravos martirizados do Tempo, embriaguem-se; embriaguem-se sem descanso” Com vinho, poesia ou virtude, a escolher”.
Charles Baudelaire
Com quê? Com vinho, poesia ou virtude, a escolher. Mas embriaguem-se.
E se, porventura, nos degraus de um palácio, sobre a relva verde de um fosso, na solidão morna do quarto, a embriaguez diminuir ou desaparecer quando você acordar, pergunte ao vento, à vega, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo que flui, a tudo que geme, a tudo que gira, a tudo que canta, a tudo que fala, pergunte que horas são; e o vento, a vaga, a estrela, o pássaro, o relógio responderão: “É hora de embriagar-se! Para não serem os escravos martirizados do Tempo, embriaguem-se; embriaguem-se sem descanso” Com vinho, poesia ou virtude, a escolher”.
Charles Baudelaire
OS HOMENS OCOS
T. S. Elliot
"A penny for the Old Guy"
(Um pêni para o Velho Guy)
Nós somos os homens ocos
Os homens empalhados
Uns nos outros amparados
O elmo cheio de nada. Ai de nós!
Nossas vozes dessecadas,
Quando juntos sussurramos,
São quietas e inexpressas
Como o vento na relva seca
Ou pés de ratos sobre cacos
Em nossa adega evaporada
Fôrma sem forma, sombra sem cor
Força paralisada, gesto sem vigor;
Aqueles que atravessaram
De olhos retos, para o outro reino da morte
Nos recordam - se o fazem - não como violentas
Almas danadas, mas apenas
Como os homens ocos
Os homens empalhados.
II
Os olhos que temo encontrar em sonhos
No reino de sonho da morte
Estes não aparecem:
Lá, os olhos são como a lâmina
Do sol nos ossos de uma coluna
Lá, uma árvore brande os ramos
E as vozes estão no frêmito
Do vento que está cantando
Mais distantes e solenes
Que uma estrela agonizante.
Que eu demais não me aproxime
Do reino de sonho da morte
Que eu possa trajar ainda
Esses tácitos disfarces
Pele de rato, plumas de corvo, estacas cruzadas
E comportar-me num campo
Como o vento se comporta
Nem mais um passo
- Não este encontro derradeiro
No reino crepuscular
III
Esta é a terra morta
Esta é a terra do cacto
Aqui as imagens de pedra
Estão eretas, aqui recebem elas
A súplica da mão de um morto
Sob o lampejo de uma estrela agonizante.
E nisto consiste
O outro reino da morte:
Despertando sozinhos
À hora em que estamos
Trêmulos de ternura
Os lábios que beijariam
Rezam as pedras quebradas.
IV
Os olhos não estão aqui
Aqui os olhos não brilham
Neste vale de estrelas tíbias
Neste vale desvalido
Esta mandíbula em ruínas de nossos reinos perdidos
Neste último sítio de encontros
Juntos tateamos
Todos à fala esquivos
Reunidos na praia do túrgido rio
Sem nada ver, a não ser
Que os olhos reapareçam
Como a estrela perpétua
Rosa multifoliada
Do reino em sombras da morte
A única esperança
De homens vazios.
V
Aqui rondamos a figueira-brava
Figueira-brava figueira-brava
Aqui rondamos a figueira-brava
Às cinco em ponto da madrugada
Entre a idéia
E a realidade
Entre o movimento
E a ação
Tomba a Sombra
Porque Teu é o Reino
Entre a concepção
E a criação
Entre a emoção
E a reação
Tomba a Sombra
A vida é muito longa
Entre o desejo
E o espasmo
Entre a potência
E a existência
Entre a essência
E a descendência
Tomba a Sombra
Porque Teu é o Reino
Porque Teu é
A vida é
Porque Teu é o
Assim expira o mundo
Assim expira o mundo
Assim expira o mundo
Não com uma explosão, mas com um suspiro.
"A penny for the Old Guy"
(Um pêni para o Velho Guy)
Nós somos os homens ocos
Os homens empalhados
Uns nos outros amparados
O elmo cheio de nada. Ai de nós!
Nossas vozes dessecadas,
Quando juntos sussurramos,
São quietas e inexpressas
Como o vento na relva seca
Ou pés de ratos sobre cacos
Em nossa adega evaporada
Fôrma sem forma, sombra sem cor
Força paralisada, gesto sem vigor;
Aqueles que atravessaram
De olhos retos, para o outro reino da morte
Nos recordam - se o fazem - não como violentas
Almas danadas, mas apenas
Como os homens ocos
Os homens empalhados.
II
Os olhos que temo encontrar em sonhos
No reino de sonho da morte
Estes não aparecem:
Lá, os olhos são como a lâmina
Do sol nos ossos de uma coluna
Lá, uma árvore brande os ramos
E as vozes estão no frêmito
Do vento que está cantando
Mais distantes e solenes
Que uma estrela agonizante.
Que eu demais não me aproxime
Do reino de sonho da morte
Que eu possa trajar ainda
Esses tácitos disfarces
Pele de rato, plumas de corvo, estacas cruzadas
E comportar-me num campo
Como o vento se comporta
Nem mais um passo
- Não este encontro derradeiro
No reino crepuscular
III
Esta é a terra morta
Esta é a terra do cacto
Aqui as imagens de pedra
Estão eretas, aqui recebem elas
A súplica da mão de um morto
Sob o lampejo de uma estrela agonizante.
E nisto consiste
O outro reino da morte:
Despertando sozinhos
À hora em que estamos
Trêmulos de ternura
Os lábios que beijariam
Rezam as pedras quebradas.
IV
Os olhos não estão aqui
Aqui os olhos não brilham
Neste vale de estrelas tíbias
Neste vale desvalido
Esta mandíbula em ruínas de nossos reinos perdidos
Neste último sítio de encontros
Juntos tateamos
Todos à fala esquivos
Reunidos na praia do túrgido rio
Sem nada ver, a não ser
Que os olhos reapareçam
Como a estrela perpétua
Rosa multifoliada
Do reino em sombras da morte
A única esperança
De homens vazios.
V
Aqui rondamos a figueira-brava
Figueira-brava figueira-brava
Aqui rondamos a figueira-brava
Às cinco em ponto da madrugada
Entre a idéia
E a realidade
Entre o movimento
E a ação
Tomba a Sombra
Porque Teu é o Reino
Entre a concepção
E a criação
Entre a emoção
E a reação
Tomba a Sombra
A vida é muito longa
Entre o desejo
E o espasmo
Entre a potência
E a existência
Entre a essência
E a descendência
Tomba a Sombra
Porque Teu é o Reino
Porque Teu é
A vida é
Porque Teu é o
Assim expira o mundo
Assim expira o mundo
Assim expira o mundo
Não com uma explosão, mas com um suspiro.
31.3.10
O grau do amor
“do infinito do mar ao infinito do céu,
E, sonhando só com vocês, contemplo no fundo
O amor que sinto no meu ser mais profundo.
Ao lado deste amor, doce, forte, pungente,
Este imenso mar é pequeno e impotente.”
A quem devo pedir que na minha vida se repita a felicidade? Nunca mais?
Nunca. Não, tudo se foi neste ultimo dia de carnaval. Quando nada parecia ser certo, quando pudemos perceber que a ida de Dani para Júpiter tinha influenciado intensamente no nosso amor. Eu desde pequena fui precoce em muitas coisas, por outro lado tenho um atraso incrível em relação a outras coisas importantes. Já não importa. A alegria me dói. Depois meus olhos ficam úmidos. Eu sou uma mortal, lembrei. Estou tentando publicar um texto sobre o grau do amor. Eu nunca imaginei que as medidas fossem tão longe e que eu deveria ter prestado mais atenção nas formulas matemáticas ao invés de persistir na lógica. Se para mim tudo é tão insolúvel agora necessito de soluções. Mas corre nessas suas veias um sangue que não se soma. Não é o número o alimento do espírito moço. Esse esforço de nadar contra a corrente tira sua força vital. Alguns dirão: “todo mundo...”, como forma de consolo. Livrai-me disto senhor. A culpa me enraizou. Se você é infeliz agora, tome uma providência agora, entendeu? Assim eu sou. Eu existo numa sequencia de agoras. Estou viva agora e não sacrifico essa hora pelo dia de amanhã. Jamais o farei.
Pois bem, se pareço rude é porque o sou. Sempre que permiti algo, perdi mais do que isso. E meu coração dói a ignorância humana. Fui traída tantas vezes através da fé. É por isso que me vêem pessimista, embora eu não seja. Eu sou um animal. Minha alma é de bicho e não de gente. Não quero ser gente.
E numa batalha de inglórias eu perdi a única verdade que me restava. Guarde-a bem com você.
Eis que de repente fiquei agora mesmo com saudade de um cão que eu tive na minha infância, o Tobi. E me lembro bem do que aprendi com ele. O horrível dever é ir até o fim. Depois de entregar-se totalmente. O que me salva é a solidão. Beijos pequena. Não mais. Não me toque mais não.
E, sonhando só com vocês, contemplo no fundo
O amor que sinto no meu ser mais profundo.
Ao lado deste amor, doce, forte, pungente,
Este imenso mar é pequeno e impotente.”
A quem devo pedir que na minha vida se repita a felicidade? Nunca mais?
Nunca. Não, tudo se foi neste ultimo dia de carnaval. Quando nada parecia ser certo, quando pudemos perceber que a ida de Dani para Júpiter tinha influenciado intensamente no nosso amor. Eu desde pequena fui precoce em muitas coisas, por outro lado tenho um atraso incrível em relação a outras coisas importantes. Já não importa. A alegria me dói. Depois meus olhos ficam úmidos. Eu sou uma mortal, lembrei. Estou tentando publicar um texto sobre o grau do amor. Eu nunca imaginei que as medidas fossem tão longe e que eu deveria ter prestado mais atenção nas formulas matemáticas ao invés de persistir na lógica. Se para mim tudo é tão insolúvel agora necessito de soluções. Mas corre nessas suas veias um sangue que não se soma. Não é o número o alimento do espírito moço. Esse esforço de nadar contra a corrente tira sua força vital. Alguns dirão: “todo mundo...”, como forma de consolo. Livrai-me disto senhor. A culpa me enraizou. Se você é infeliz agora, tome uma providência agora, entendeu? Assim eu sou. Eu existo numa sequencia de agoras. Estou viva agora e não sacrifico essa hora pelo dia de amanhã. Jamais o farei.
Pois bem, se pareço rude é porque o sou. Sempre que permiti algo, perdi mais do que isso. E meu coração dói a ignorância humana. Fui traída tantas vezes através da fé. É por isso que me vêem pessimista, embora eu não seja. Eu sou um animal. Minha alma é de bicho e não de gente. Não quero ser gente.
E numa batalha de inglórias eu perdi a única verdade que me restava. Guarde-a bem com você.
Eis que de repente fiquei agora mesmo com saudade de um cão que eu tive na minha infância, o Tobi. E me lembro bem do que aprendi com ele. O horrível dever é ir até o fim. Depois de entregar-se totalmente. O que me salva é a solidão. Beijos pequena. Não mais. Não me toque mais não.
4.2.10
Sou
Sou o que sabe não ser menos vão
Que o vão observador que frente ao mudo
Vidro do espelho segue o mais agudo
Reflexo ou o corpo do irmão.
Sou, tácitos amigos, o que sabe
Que a única vingança ou o perdão
É o esquecimento. Um deus quis dar então
Ao ódio humano essa curiosa chave.
Sou o que, apesar de tão ilustres modos
De errar, não decifrou o labirinto
Singular e plural, árduo e distinto,
Do tempo, que é de um só e é de todos.
Sou o que é ninguém, o que não foi a espada
Na guerra. Um esquecimento, um eco, um nada.
Jorge Luis Borges, in "A Rosa Profunda"
Que o vão observador que frente ao mudo
Vidro do espelho segue o mais agudo
Reflexo ou o corpo do irmão.
Sou, tácitos amigos, o que sabe
Que a única vingança ou o perdão
É o esquecimento. Um deus quis dar então
Ao ódio humano essa curiosa chave.
Sou o que, apesar de tão ilustres modos
De errar, não decifrou o labirinto
Singular e plural, árduo e distinto,
Do tempo, que é de um só e é de todos.
Sou o que é ninguém, o que não foi a espada
Na guerra. Um esquecimento, um eco, um nada.
Jorge Luis Borges, in "A Rosa Profunda"
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