Difícil trazer algo novo quando tanta coisa já foi dita e redita sobre a passagem do Crumb pelo Brasil. O que se pode diferenciar é o olhar de cada um. Muitos jornalistas e muitas pessoas que passaram pela Flip este ano o fizeram pelo interesse irreverente na obra de Robert Crumb. Quando eu soube da confirmação dele fiquei histérica na busca de uma forma de chegar à Parati. Ônibus, carro, avião, dinheiro, trabalho, filha, pousada, tempo, espaço. Nada que a força de vontade não supere. Muitas vezes já me senti uma mulher crumbiana (fortinha). E é nessa ótica feminina que eu sempre fui fã das obras desse quadrinista. Sabe aqueles sentimentos que as mães têm quando vão ver um show do Roberto Carlos no ginásio de esportes da cidade?! Assim eu fico quando leio o Crumb. Enquanto Roberto Carlos enxerga o coração dessas mães, Crumb também fala, ao seu modo, à auto-estima feminina.Sou um pouco suspeita para comentar a respeito, mas tudo bem, pois se a noite de amores é inevitável, então o negócio é relaxar e gozar! Confesso que nunca fui uma fã de carteirinha dele, até bem pouco tempo. Meus amigos sempre comentavam e diziam que eu era tão perfeita fisicamente que só mesmo o Crumb podia ter me desenhado! Hahaha..., todo escritor aumenta um pouquinho o enredo. No entanto, só fui começar a entender seus livros de verdade quando vi o documentário sobre sua vida. É incrível como um sujeito que tinha tudo para dar errado, conseguiu se sair tão bem na vida! Vai lá, o cara é extravagante e meio estrela também, mas eu dou razão para ele! É um tanto chato ser rodeado de pessoas e jornalistas de chocadeira que sequer o conhecem como sua obra exige. Ademais, é sempre bom lembrarmos que - bem ou mal - a obra é uma extensão do artista, ainda que Barthes contradiga essa máxima.No século XIX, Honoree de Balzac exaltava a mulher de trinta, dando origem ao termo "balzaquiana", que em resumo mostra que a mulher chegou no seu auge; da obra de Crumb nasceu também um padrão de beleza: a mulher crumbiana! Esta, uma mulher forte, decidida e com a qual machinho nenhum vem "se meter à besta". A antítese às figurinhas macabras que povoam o Fantástico Mundinho da moda e às bonequinhas presentes na tevê e no cinema. A mulher crumbiana é tudo o que toda mulher que se ama sonha em ser! Aliás, imagina só que foi ele quem fez a capa para o disco "Cheap Thrills" da Janis Joplin! Tudo bem que ela não passou dos 27, mas o que vale, além de sua voz para sempre calçada no coração da humanidade, é a forma carinhosa como Crumb a retratou. Que honra maior uma mulher poderia querer?!
Pessoalmente, ainda sinto que meus amigos exageravam quando me chamavam de crumbiana, até porque sou uma simples mortal, jornalista e mãe de família, apaixonada por tudo o que faço. Mas o fato me fez conhecer e admirar esse autor a ponto de me tornar uma ávida apreciadora de seu trabalho. Tive o prazer de vê-lo na última FLIP e acreditem, ele foi um legítimo cavalheiro. No entanto, até onde eu pude perceber, a imprensa preferiu cutucar a onça com vara curta, criticaram sua postura e deixaram a desejar nas entrevistas. Eles já sabiam que ele era antissocial e sequer souberam respeitar isso, afinal misantropos e sopas são coisas muito semalhantes: comem-se pelas beiradas! Em tudo quanto é canto a gente lê que ele tratou os repórteres com frieza e esculhambou os fotógrafos até não poder mais. Agora convenhamos, o cara se enfiou em um remoto cantinho lá na França para justamente se manter longe de todo esse frenesi. Não quero criticar os jornalistas (estaria dando um tiro no próprio pé), mas é um fato consumado que o sistema os imbeciliza e acaba com profissionais que poderiam fazer muito mais do que supõe-se sua vã formação. É sempre bom lembrar que o Crumb vem de uma geração de idealistas e sempre será lembrado como um ícone da contracultura. Está certo que hoje o cara é um idealista frustrado, mas ainda assim, continua sendo um artista ímpar. Outra coisa interessante foi ver que em determinados momentos, quando perguntado sobre o que achava de determinado novo talento, ele sempre respondia que nem sabia quem era, e boa parte da imprensa usava isso como munição para achincalhá-lo. Ora bolas, ele estava no seu direito! Afinal, ele é o Crumb!Enfim lá estava eu sentada diante dele, sua mulher Aline Kominski (legitima personagem), o não menos talentoso Gilbert “Freak” Shelton e sua esposa Lora Fountain. Mandei a ver com minhas perguntinhas que renderam algumas matérias por aí. Lá vai:
Logo de inicio quando lhe perguntaram sobre sua opinião acerca do trabalho da nova geração de quadrinistas como o de Dash Shaw, ele responde que não conhece. Gilbert também. Aline justificou o fato com a ausência deles a esse mundo midiático. Quando foi questionado por retratar a América ele comentou duramente que o rosto da América hoje é “ugly, very ugly”, porque se tornou um estado fascista, e por mais que algum grande estadista queira ou tente mudar isso, as forças destrutivas são muito maiores. Depois explica qual é a relação da sua vida pessoal com o Genesis: “nenhuma”. Ele só tentou retratar a história de uma forma mais cômica. Disse que gosta dos mitos, da riqueza dessas histórias, de Sodoma e Gomorra, dos mistérios antigos. Ao lhe perguntar sobre a cantora Aracy Cortes e a escolha dela para fazer parte da coletânea composta por Crumb, intitulada “Hot Woman”, o escritor citou sua paixão pelos discos de 78 rotações e ainda acrescentou: “se alguém tiver algum disco para vender, eu compro”. No restante da entrevista eles mantiveram a pose o e caráter característicos, proporcionando risadas e muita franqueza e objetividade. “É bizarro participar da Flip”, comentou Crumb, “Não quero ser levado a sério”, conclui. “Eu não conheço nenhum jovem”, respondeu Shelton quando questionado sobre a nova juventude e as influências massivas da mídia. “Mercado competitivo? Você deve estar zoando...”, disse ironicamente Crumb depois de ser interrogado pelo mediador, o jornalista Sérgio Dávila. Drogas, barbas, folk music, mulheres... Alguém sempre acabava caindo nessas questões com os dois que respondiam quase caricaturadamente com feições e gestos engraçados. Além de todo essa papo, Crumb citou muito sua família. Sua filha, também desenhista, e seu neto. Todos, hoje, morando na França. “Voltar para os EUA? Eu não! Tenho vergonha de ser americano. Tenho vergonha até de morar no planeta. Nós estamos todos encrencados”. E para completar, já que a festa era literária, eles não gostam de ficção, estão tentando ler os clássicos e admiram livros de jornalismo investigativo. No final do bate papo eles elogiaram a cidade de Paraty e confessaram que só vieram para o Brasil porque suas esposas os convenceram. Adoraram nosso guaraná! Interessante. “Só não se esqueçam, eu sou um artista do século XIX”. “Draw or die”.
Juana Dobro
24.9.10
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