25.8.08

A flor do dia

As pegadas pareciam lentas demais para quem tem pressa de sentir as coisas. Afinal ela era uma flor, mas não fazia parte das espécies raras. Não possuía quase fragrância alguma. Vinha em uma única cor. Mas era uma flor e nisso acreditava. Sentia o orvalho das manhãs. Encolhia-se perante o poderoso sol. E sorria a brisa noturna. Era sua preferida. Porque ela vinha mansa.
Às vezes, porém, temia a alegria. De tão normal que era. Era e não sabia. Suas narinas aspiravam, nunca o pólen alheio. Também era única nas suas milhares semelhantes. Pois sofria calada a dor de estar viva durante o dia.
Foi um dia desses. Um cavalheiro se aproximou. Dom Quixote urbano. Parece praxe. Deu uma fungadinha tão bem dada que sentiu o perfume que nunca existira. Suspiros. Ela não queria. O dia.
Isso era a flor. Tem gente diferente. Que prefere ser igual. Ser loucura do que se sente.
Uma imagem de santo que permanece indiferente a tudo e a todos que ali imploram. Um café mais puro para madame. Um tostão para o falido. Uma prece por que prece se pede quem é religioso. Glórias. Améns e bênçãos. A benção pra todo mundo. Aí vem a donzela. Queria eu ser donzela. E pede uma flor. Ai ai ai ai. Vem bem pra ela a flor sem cor que prefere a noite. Estraga tudo. Ou será que o santo acertou na reza e cumpriu seu dever? Deveras.
Todos choramos a vida.

18.8.08

uai

O sexo se faz é com a cabeça. Esqueça.

História histérica

Eu tomava aquela gelatina aguada. Quase em gosto. Nem todas as festas são agradáveis. Têm as infantis. Essa não provocava risos. DesGOSTO. Na mesa as recordações vinham em preto e branco. Nostalgia do passado-futuro. Cor-de-rosa é o pior. Odeio. Acho graça. Coisa de louco mesmo.Tenho pensado muito na impetulância das pessoas. Já havia percebido que o escorregador era estreito e a balança baixa demais. Só que sempre insisto. E de tanto que insisto, Desisto. Descubro a vida cena por cena. Já vivi muito mais que deveria. Isso me enobrece e empobrece. Lentamente percebo. A evolução. Dos fatos à ilusão. Se rimou não foi porque quis. Não admiro as rimas. Fôrmas. Técnica. Prefiro que o baralho esteja embaralhado. Revelaão invisível. Surpresa! Você venceu. Matou 5. Feriu 30. Salvou 3. Eram da sua familia. Familia em primeiro lugar. São seus verdadeiros... E lá vem o fim do sermão. Vamos todos embora. Cabisbaixo. Ufa. As vezes sufoca. Não tenho paciência mesmo. Pego na sua mão e sigo assim mesmo. Feliz para sempre no catelo da dor. Se dói é porque se sente. Isso deve ter algum valor. Então, Adeus.

5.8.08

Tecido Penumbroso

Como posso sofrer porque as coisas pararam? Elas andaram tão estouvadas! Por que não deixá-las dormir agora um pouco? Tudo se aquietou, é noite, o mundo vive pra dentro, cegando-se ao sol do sonho. Preciso um pouco desse conteúdo inóspito, ermo como um quase-nada. Não, não é morte, é uma espécie de lacuna essencial, sem a aparência eterna do mármore, ou, por outro lado, sem as inscrições carcomidas. Pode-se respirar também na contra-vida. Depois então a gente volta para o ritmo; aí já não nos reconheceremos ao espelho explícito, tamanha a qualidade desse tecido penumbroso que provamos.

João Gilberto Noll,
inspiradíssimo em Mínimos, múltiplos, comuns.